terça-feira, setembro 21, 2004

11 de setembro (2002)



Hoje, assisti pela segunda vez a seleção de curtas que compõe o filme "11 de setembro".

A proposta é bastante curiosa: são 11 curtas-metragem, cada um com 11 minutos, 9 segundos e 1 frame de duração, dirigidas por diretores de vários países diferentes.

Uma produção tão abrangante como esta, que une sob o mesmo título curtas do Estados Unidos e do Burkina-Faso por exemplo, é de se esperar uma disparidade de qualidade. De fato, há curtas excepcionais, como o dirigido por Sean Penn, ou por Ken Loach do Reino Unido, enquanto que há outros bastante amadorístico como o curta egípcio, dirigido por Youssef Chahine, e o israelense, de Amos Gitai.

Esta seleção impressiona, no entanto, pelo tom geral anti-americano. É surpreendente como em apenas um ano (o filme foi lançado em 2002), a visão sobre o atentado passou de solidariedade à aceitação de que, no fundo, os Estados Unidos tem incitado o resto do mundo a odiá-los.

Destaques:

- o forte curta iraniano (dirigido por Samira Makhmalbaf), no qual eles exploram a inocência das crianças diante de um evento incompreensível no mundo no qual elas vivem;

- o curta dirigido por Ken Loach, do Reino Unido, que por si só já salvaria o filme, que compara o atentado ao World Trade Center e o golpe de Estado contra o governo de Salvador Allende, no Chile, ambos acontecidos do dia 11 de setembro. Simplesmente maravilhoso e, como já foi dito, ao explicitar a participação dos EUA no golpe, o roteiro "justifica", de certo modo, o ataque terrorista.

- e, finalmente, o curta dirigido por Sean Penn, que aborda a alienação do povo americano diante do falido "american way of life".

Para todos nós, que vimos pela TV este incidente, ter a oportunidade de vislumbrar o atentado com a perspectiva de outras culturas é esclarecedor. É a constatação pura de que a verdade não pertence a nenhum dos lados; temos somente interpretações.

quinta-feira, setembro 16, 2004

Charlie Kaufman - Um roteirista nadando contra a maré

De vez em quando, em Hollywood, surge um gênio. E, por algumas décadas, somos agraciados com boas histórias, com bons diretores e, muito raramente, com bons atores.

Nesta última semana, eu finalmente cumpri um desejo que há muito tempo eu alimentava: assistir a tríade de filmes escritos por Charlie Kaufman.

Talvez seja um pouco de exagero chamá-lo de gênio; talvez ainda seja cedo demais. No entanto, o roteiro de Kaufman é tão cheio de sutilezas e de armadilhas conceituais que é bem possível sair da sala de projeção com a impressão de que se assistiu a apenas uma história boba ou um tanto surreal.

Tudo começa com "Quero Ser John Malkovich", que é o primeiro escrito por Kaufman, mas o último que tive oportunidade de assistir. Neste filme já reside o germe do que viria a ser "Adaptação" e "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças".

Craig Schwartz (John Cusack) é um manipulador de marionetes que, por necessidades financeiras, é obrigado a procurar emprego como arquivista no sétimo andar e meio de um edifício comercial. No seu local de trabalho, atrás de um dos pesados arquivos, Craig encontra uma portinhola que conduz à mente de John Malkovich. Com um humor bizarro e baseado num realismo fantástico, "Quero Ser John Malkovich" bem que poderia ser um dos contos de Jorge Luis Borges.

Ao brincar com a fantasia de quase todo ser humano de poder ser, ao menos por alguns instantes, outra pessoa, Kaufman nos introduz no mundo de Malkovich (que apesar de interpretar ele mesmo, ainda assim é uma personagem ficcional), das suas experiências e da possibilidade de ser famoso e (relativamente) bem-sucedido.

Destaque para a interpretação de Cameron Diaz, irreconhecível de tão feia que a deixaram, e do próprio John Malkovich. No próprio filme, o ator é tratado num tom de deboche, pois ele é reconhecido nas ruas, mas ninguém se lembra de filme algum no qual ele atuou. Ao menos deste, haverão de se recordar.

O segundo filme escrito por Kaufman é "Adaptação", estrelado por Nicholas Cage e Meryl Streep.

Assim como explorou a imagem de um ator, agora Kaufman desmistifica o papel de roteirista, que no fundo é ele mesmo, inclusive com o mesmo nome. Charlie Kaufman (Nicholas Cage) é um roteirista de cinema embaraçado com a adaptação de um romance sobre orquídeas para o cinema. A incapacidade de realizar este projeto vai aniquilando com a personalidade de Kaufman que se sente incapaz de penetrar na experiência da autora, a jornalista Susan Orleans (Meryl Streep). O desespero é tão grande que Charlie sente-se obrigado a pedir ajuda a seu irmão gêmeo, Donald Kaufman (irmão de Charlie Kaufman na vida real), um roteirista de thrillers hollywoodianos da pior categoria.

Intercalando as cenas entre o tempo presente de Charlie e o tempo passado de Susan, o(s) roterista(s) cria(m) uma trama maravilhosa sobre o desafio, não somente de se adaptar uma obra literária a outro gênero, como da própria adaptação que o gênero humano deve se sujeitar para lidar com as adversidades.

Por fim, o mais recente filme de Kaufman, cujo título é necessário ser memorizado de tão extenso, "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças".

Kaufman explora novamente o universo psicológico inaugurado em "Quero Ser John Malkovich". Agora é a vez de Joel Carrey (Jim Carrey) mergulhar numa profunda depressão por causa do rompimento abrupto de um namoro com Clementine (Kate Winslet).

Para se livrar de qualquer vestígio da passagem de Clementine por sua vida, Joel recorre a um tratamento psicológico que apaga todas as memórias relacionadas ao aspecto selecionado pelo paciente. Contudo, quando a lavagem cerebral começa, à medida que vai revivendo aquelas experiências passadas, principalmente as agradáveis, Joel se arrepende e tenta resguardar ao menos um resquício daquele amor, que havia começado bem, mas que se deteriorara.

Não é um daqueles filmes que você sai satisfeito. Não porque a história não seja agradável, mas porque fala profundamente ao sentimento mais íntimo que temos de procurar alguém ideal para nós e de como esta tentativa pode conduzir ao erro e à dor. Mais do que isso, porém, "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" reforça a idéia de que certas experiências são necessárias para nossa existência e de que, sem elas, não seríamos quem somos hoje.

Charlie Kaufman pode não ser um gênio do cinema, mas, até agora, possui uma regularidade no que faz. Além disto, ele possui o dom fabuloso de nos fazer pensar: O que ele está querendo realmente dizer?