quarta-feira, novembro 30, 2005

O Segredo de Vera Drake (2004)



O diretor Mike Leigh é obsecado pelo cotidiano. As pequenas coisas da vida, os momentos que passam desapercebidos, os diálogos sem segundas intenções, os atos aos quais poucos dão importância, é sobre esses elementos que esse diretor britânico erige suas obras.

Uma faca de dois gumes.
Esse mergulho na realidade como ela é, despida das cores ficcionais, pode fazer surgir grandes vislumbres da existência, ao mesmo tempo em que pode criar as narrativas mais tediosas concebíveis.
Em "Segredos e Mentiras", Leigh apresentou um enredo moroso e arrastado. Soneca na certa!
Porém, em "O Segredo de Vera Drake", ele extrapola o universo puramente cotidiano e introduz uma trama instigante.
Vera Drake (Imelda Staunton) é uma senhora como qualquer outra: trabalha como doméstica em casas de famílias, ajuda sua mãe idosa, diligente esposa e mãe atenciosa. Enfim, uma pessoa acima de qualquer suspeita. No entanto, uma vez por semana, Vera ajuda garotas a se livrarem de uma gravidez indesejada. Para ela, não há maldade nem malícia alguma nesse ato. Mas, após uma de suas "pacientes" ficar gravemente doente, Vera descobre da pior maneira a repressão moral e criminal da sociedade em relação ao aborto.
"O Segredo de Vera Drake" não é um filme panfleto, não defende uma tese, não toma uma posição. Vera não tem consciência do risco que pode estar causando à saúde das pessoas às quais ela ajuda, tudo que ela tem em mente é tentar dirimir o sofrimento daquelas jovens.
A interpretação de Imelda Staunton é angustiante por seu realismo. A afasia de Vera Drake diante da punição e do escárnio público está entre um dos momentos mais memoráveis do cinema. Apesar do trabalho incrível de Hilary Swank em "Menina de Ouro", deve-se reconhecer que a maturidade de Staunton a faz brilhar, e os dilemas da mulher que incita outras ao aborto é, por sua sutileza, muito mais desafiadores do que os da boxeadora tetraplégica.
Não há os malabarismos retóricos que tanto agradam nos filmes judiciais norte-americanos. Não há aquele suspense de última hora, aquela suspensão em saber se o juri inocentará ou condenará a mocinha.
O filme é cru e triste como a realidade. Um mundo no qual não há peripécias, sem clemência para quem erra.
"O Segredo de Vera Drake" é aquele louco escondido no porão do qual, freudianamente, Dalton Trevisan nos alerta.

segunda-feira, novembro 28, 2005

Madagascar (2005)


A questão entre cultura e natureza sempre inquietou a humanidade.
Não cabe aqui fazer um resumo das diferentes hipóteses desenvolvidas no decorrer da História, mas cumpre afirmar que, vez ou outra, os pratos da balança penderam para um dos lados. A cultura, como a instância decorrente da socialização dos homens, já foi interpretada como o fator principal que nos distingue dos demais animais, ao mesmo tempo em que foi encarada como um fator corruptivo, de desentranhamento da verdadeira pureza humana.
Pode parecer estranho para muitos que uma animação aparentemente tão despretensiosa quanto "Madagascar" dê margens a relacioná-la com tais indagações acerca da cultura/natura. Porém, basta fazer uma análise superficial do filme para perceber que essa problemática está no cerne do enredo e, mais do que isso, é resolvida de maneira extremamente simplória.
O filme se inicia no zoológico do Central Park, em Nova York, do qual a zebra Marty (Chris Rock) quer sair a qualquer custo. Movido por uma ânsia essencial, Marty deseja voltar para a natureza, retornar para a selva. Ideal que nem de longe é compartilhado por seus amigos, o leão Alex (Ben Stiller), a hipopótamo Gloria e a girafa Melman. Numa fantasiosa representação da vida num zoológico, com massagens teraupêuticas, cabelereiros e acupuntura para os animais, "Madagascar" discaradamente simula um ambiente nos quais os animais cativos possuem o melhor tratamento possível, com uma vida muito melhor do que a "selvageria" desenfreada da floresta.
Nesse mundo, a vontade Marty é quase uma insanidade. Por que trocar conscientemente uma vida regrada, controlada, protegida, por uma desconhecida e perigosa?

Nesse sentido, "Madagascar" é o extremo oposto de "Procurando Nemo". Enquanto que nesse segundo, o pequenino Nemo parte numa busca de auto-conhecimento, de auto-aperfeiçoamento, de superação de seus próprios limites, o primeiro é a insanidade daqueles que trocam o certo pelo duvidoso, a segurança pelo desconforto. Nemo é o aventureiro que não se satisfaz com os limites que a sociedade lhe impõe, ele está acima das convenções sociais e é através das adversidades que ele aprende. Marty é o indivíduo de classe-média, entendiado com sua vida cotidiana e rotineira; precisa partir, apenas para descobrir que ele pertence àquela vida rotineira.

Marty e seus amigos conseguem escapar do seu cativeiros e vêem-se lançados num mundo estranho e hostil. Madagascar, investada por lêmures e feras carniceiras, repele Marty, Alex, Gloria e Melman. Tudo lhes é alheio, eles não pertencem ao cenário, tampouco podem se adaptar. O selvagem em "Madagascar" é sinônimo de barbárie, de imoralidade; a civilização, por sua vez, é o progresso, o relacionamento respeitoso, a inserção no universo da eticidade.
Esse tolo reducionismo é apenas um dos pontos negativos desse filme que não cativa. A história morna, personagens planos, piadas insossas fazem de "Madagascar" uma decepção.

Um filme sobre os quatro pingüins psicóticos seria, sem dúvida, muito mais atraente e engraçado.

sábado, novembro 05, 2005

Janela Secreta (2004)



Eu havia ouvido falar muito bem desse filme. Gosto muito da atuação de Johnny Depp e, na maioria das vezes, filmes baseados na obra de Stephen King são passáveis.
"Janela Secreta" possui uma trama interessante. O escritor Mort Rainey recebe, em sua casa na beira do lago, uma estranha visita, um caipira, vindo direto do Mississipi, que alega ter um de seus textos plagiados por Mort. Uma série de problemas decorrem dessa alegação, à qual Mort jura de pés juntos ser inocente.
Quem possui o hábito de assistir filmes de suspense deduz logo nos quinze primeiros minutos como o filme se desenvolverá. Apesar de não ser ruim, por recair numa estrutura tão banal e primária, "Janela Secreta" causa um certo desconforto. Era de se esperar mais por uma história tão inusitada.
A maneira como o roteiro lida com a psiqué do protagonista, como monólogos interiores, com flashbacks, com a imaginação dele, é um ponto positivo, mas a solução dada é patética e só surpreende os mais incautos.
Razoável, mas não memorável.