terça-feira, fevereiro 07, 2006

Ponto Final - Match Point (2005)



Afirmar que Woody Allen é um gênio, uma voz dissidente no panorama americano dominado por Hollywood, um dos poucos roteiristas/diretores que ainda consegue se aprofundar na alma das personagens, não seria uma novidade.
De fato, a trajetória e a filmografia de Allen são invejáveis. Os seus melhores filmes entraram para a história do cinema, ele praticamente criou um gênero único de humor, namorou com a psicanálise e sua própria vida poderia servir de inspiração para um filme. Trazendo ao mundo quase uma obra por ano e desdenhando a festa do Oscar para tocar jazz com sua banda em Nova York, Allen é idolatrado por muitos e odiado por outro tanto.

Falemos então daquilo que não é tão óbvio.
"Ponto Final - Match Point" pertence àquelas obras de Allen das quais ele não atua como protagonista. Algo a favor de "Ponto Final", pois o estilo verborrágico de atuação de Woody Allen não costuma agradar a muitos espectadores.
A trama de seu mais recente filme é de uma sobriedade inacreditável. Um jogador de tênis aposentado, Chris Wilton (Jonathan Rhys-Meyers), muda-se para Londres e encontra emprego como treinador de tênis num clube da high-society britânica.
Lá, ele conhece o playboy Tom Hewett (Mathew Goode) e eles se tornam amigos. Ao freqüentar a casa de campo da família Hewett, Chris se envolve com a irmã de Tom, a amável porém insossa Chloe (Emily Mortimer). No entanto, a atenção de Chris direciona-se mais à noiva de Tom, a americana Nola Rice (Scarlett Johansson), que, a princípio, não quer nada com ele.

"Ponto Final - Match Point" é a história de uma escalada social vertiginosa. De simples treinador de tênis, Chris, ao se casar com Chloe, passa a trabalhar nas empresas de seu milionário sogro. Uma vida de conforto e luxo se opõe ao desejo sexual frenético que ele nutre pela cunhada. Um dilema ao qual o protagonista se recusa a resolver.
O filme possui uma série de atributos que o diferenciam das produções anteriores de Woody Allen. O primeiro deles é o simples fato de ter sido gravado na Inglaterra, certamente um ambiente completamente diverso do mundo judaico-burguês nova-iorquino retratado à exaustão por Allen. O mergulho naquele universo aristocrático, polido e blasé de Londres contrasta com a paixão entre o tenista irlandês e a atriz sexy americana. Além disso, outro aspecto vital da força do enredo foi a recusa de Allen em psicologizar suas personagens (hábito que ele manteve durante longos anos). Ao invés de explicar as frustrações, as neuroses, as dúvidas, Allen focalizou as expressões emotivas de Chris e Nola. Não há explicações nem verbalizações, apenas arroubos eróticos e uma necessidade visceral de transgressão em meio a frieza londrina.
As referências a "Crime e Castigo" de Dostoievski acabam antecipando o desfecho surpreendente, na qual a trama de paixão se transforma em desgraça e potencial expiação. Mas Allen é habilidoso o suficiente para plantar as pistas certas de maneira a nos fazer acreditar num determinado resultado. No entanto, como a primeira cena do filme indica, o fator mais importante na vida é, às vezes, a sorte.
Não há peripécias no enredo, mesmo assim o filme é incrivelmente original. Todas as conseqüências possuem uma causa, e podemos acompanhar gradativamente a insustentabilidade da situação derivada de uma paixão proibida.

"Ponto Final - Match Point" é um filme sobre escolhas, ambição, paixão e, acima de tudo, a demonstração de que Allen pode conquistar mesmo aqueles que odeiam seu trabalho.

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domingo, fevereiro 05, 2006

O Segredo de Brokeback Mountain (2005)



Em 1963, ano em que se inicia a história de "Brokeback Mountain", os Estados Unidos ainda não haviam mergulhado na onda da revolução sexual. Se bem que no Wyomming a tal revolução jamais deve ter chegado.
Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal) se conhecem após serem contratados para pastorearem ovelhas na Montanha Brokeback. O isolamento e uma coexistência quase matrimonial os aproxima, fazendo com que, numa fatídica noite gelada, Ennis e Jack se relacionem sexualmente. A trama de "Brokeback" se desenrola por mais de um vintênio, período no qual tanto Ennis quanto Jack são obrigados a esconder sua homossexualidade e revestirem-se de uma carapuça de vaqueiros machões.
O entusiasmo com o qual esse filme foi recebido, ganhador de três Globos de Ouro e provável ganhador dos Oscars de Melhor Filme e Melhor Diretor, representa duas mudanças importantes:

1 - O homossexualismo está deixando de ser encarado como uma aberração, como pecado, como algo a ser estirpado da sociedade. Mais do que nunca, as pessoas estão revendo seus conceitos e percebendo que a homossexualidade sempre existiu e, nas épocas em que aparentava não existir, era porque, devido ao preconceito, tinha de ser velado.

2 - Que o cinema também está disposto a pôr de lado seus juízos moralistas (principalmente o puritanismo norte-americano) e deixar de retratar o homossexualismo esterotipadamente. Comédias ou Tragédias (no sentido mais exato dos termos) tendem a mostrar os dois extremos do mundo gay, seja a bicha-louca ou a drag queen ("Priscila, A Rainha do Deserto", "Para Wong Fu, Obrigada por Tudo, Julie Newmar"), completamente fora dos padrões sociais vigentes, ou o homossexual, seja homem ou mulher, transtornado, socialmente inaceito, oprimido, cujo único desfecho é, inevitavelmente, a desgraça ("Meninos Não Choram", "Monster: Desejo Assassino", "Filadélfia").

Não que "Brokeback Mountain" faça do homossexualismo um universo maravilhoso, contudo, o modo como Ang Lee escolheu para contar essa história, resultado de uma incrível sutileza e tato, surpreende. Tamanha é a naturalidade com a qual o tema é apresentado, que poderia se tratar de um romance adúltero heterossexual.
De fato, se não fosse pelo elemento gay, o que ainda hoje em dia é chocante e causa estupor, esse filme seria trivial e passaria desapercebido. Porém, por pisar num solo relativamente arenoso e quase intocável, "Brokeback" tem se tornando um fenômeno de público e de crítica.
Certamente será uma daquelas obras que dentro de dez ou quinze anos, as pessoas olharão para trás e pensarão: "Mas por que um filme desses causou tanta comoção?"

Outro fator surpreendente é a própria presença de Ang Lee na direção. Como um chinês, que dirigiu filmes épicos em sua pátria (como "O Tigre e o Dragão"), conseguiria apreender o que se passa no coração da América?

Todavia, a nacionalidade do diretor provou ser o menor dos problemas e, talvez, pelo fato mesmo de ser um estrangeiro, ele pôde perceber com sensibilidade essa mudança sexual e comportamental que tem ocorrido lentamente nos últimos vinte ou trinta anos no Ocidente.
Como quase tudo que envolve preconceito, o antagonista não se trata de um indivíduo somente, mas de toda uma construção cultural, que define o que é ou não permitido. Em "Brokeback Mountain", o inimigo é a sociedade, mas, acima de tudo, é o preconceito que os próprios personagens trazem dentro de si, são eles que não se permitem ser como são.

O filme de Lee é um pequeno passo na luta contra o preconceito e, possivelmente, nem seja um dos passos mais relevantes.


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sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Caçadores de Mentes (2005)



A proposta era interessante:
Sete agentes do FBI em treinamento são enviados a uma ilha para realizarem uma simulação - uma caçada a um assassino em série denominado "the puppeteer" (o titereiro).
No entanto, o que era para ser um teste, acaba por se tornar real demais para seus participantes e, um a um, os agentes são mortos.
Há um quê de "O Caso dos Dez Negrinhos" de Agatha Christie, mas as coincidências terminam aí. Logo o filme descamba para o inverossímil e põe tudo a perder.
"Caçadores de Mentes" é o típico filme que se mune de um ou dois atores notórios (neste caso Val Kilmer e Christian Slater) somente para dar algum crédito ao filme, mesmo que os papéis deles sejam irrisórios e mais do que coadjuvantes.
Há um mote entre os escritores de mistério de que o autor não deve trapacear o leitor, ou seja, as pistas plantadas no decorrer da trama devem ser suficientes para que o leitor/espectador possa tirar suas próprias conclusões e deduzir quem é o assassino. "Caçadores de Mentes", assim como seu primo cult "Jogos Mortais", abusa de recursos simplistas, fazendo com que o espectador atire para todos os lados, numa tola tentativa de adivinhar a identidade do criminoso. E, no fundo, qualquer esforço não passa de adivinhação, pois, ao revelar o assassino, a seleção de provas para condená-lo serviria para qualquer um dos outros personagens. Não acrescentam nada e contrariam a lógica dedutiva. São apenas peripécias para contrariar o espectador e fazê-lo, no fim, exclamar:
"Mas jamais pensei que fosse ele!"

Uma coleção de mortes absurdas coroam "Caçadores de Mentes" como um daqueles títulos policiais insossos que um dia, certamente, passará no "Supercine", nos sábados à noite da Rede Globo.