domingo, dezembro 23, 2007

Hairspray - Em Busca da Fama (2007)


Sempre houve uma troca entre Hollywood e a Broadway, musicais que se tornaram filmes, como "Dreamgirls", "Chicago", "Rent", ou filmes que se tornaram musicais, como "A Cor Púrpura", "Jovem Frankenstein", "Mary Poppins".

"Hairspray" é sui generis, primeiro foi lançado como filme, sob direção do porra-louca John Waters, tornou-se um musical de sucesso para, por fim, deixar o palco de volta ao cinema. A adaptação é boa, as canções são cativantes e o elenco é de primeira, desde a estreante, Nikki Blonsky, até John Travolta, Cristopher Walken e Michelle Pfeifer.

Mesmo neste remake, há a cara de John Waters. O fato de ser ambientado em Baltimore e a escolha dum homem travestido de mulher para o papel materno

A trama parece ser despretensiosa, Tracy Turnblad quer se tornar dançarina dum programa de TV, porém, como ela está um pouco acima do peso, imediatamente ela é descartada, por pura discriminação. Da discriminação estética, "Hairspray" avança para discriminação racial, abordando temas como tolerãncia, respeito às diferenças e igualdade.

Os EUA é um país racista, onde a integração foi e ainda é complicada, e por isto, a todo instante, através do cinema, é preciso repetir tais mensagens. O interessante é que, geralmente, Hollywood consegue ultrapassar o nível dum mero panfleto humanitário e produzir filmes divertidos e envolventes.

A trilha sonora é gostosa, com canções em estilo anos 50, mas não há nenhuma música específica que fique na memória.

"Hairspray" é um filme engraçado e que talvez até faça o espectador refletir.

***

Pós-escrito de 26 de novembro
Após ter assistido ao musical da Broadway, devo me retrarar pelo meu comentário de que não há nenhuma música marcante: há meses que "Good morning, Baltimore", "You can't stop the beat" e "Welcome to the sixties" não saem da minha cabeça.
A versão da Broadway é um pouco diferente, principalmente por causa das exigências e limitações do palco, no entanto, ainda é melhor do que o filme.

terça-feira, dezembro 11, 2007

Ninguém Pode Saber (2004)


A razão de ser do título é óbvia: uma mãe solteira tem quatro filhos, mas por medo de ser expulsa pelos locadores do apartamento que acabou de se mudar, ela se vê forçada a esconder três das crianças, deixando apresentando apenas o mais velho como seu filho. Ninguém pode saber que 5 pessoas habitam aquele pequeno apartamento.
No entanto, esta mãe não pode ser considerada como um exemplo de dedicação. Durante longas horas, talvez a maior parte do dia, as crianças são obrigadas a permanecer trancadas em casa, realizando tarefas domésticas.
Se este cenário já não fosse opressivo e angustiante o bastante, a mãe arranja um novo namorado e desaparece com ele por meses, deixando as crianças sozinhas, à própria mercê.

Apesar de responsáveis, o desfecho é quase inevitável: a total desintegração da família.

No entanto, "Ninguém Pode Saber" choca apenas pelo fato de ser um filme japonês, ideal de civilidade e avanço. Se transportarmos o tema para um contexto brasileiro, imediatamente constatamos o contraste que há entre um mundo onde histórias como esta são exceções, e um mundo onde é quase um regra, onde crianças vagam pelas ruas mendigando comida e cheirando cola. "Ninguém Pode Saber" é pessismista e desconsolador - foi inspirado numa história real -, mas nem se aproxima ao terror cotidiano de países em desenvolvimento.

Assistir a este filme é quase um desafio. O ritmo é lento, as cenas são longas, há excessos, há silêncio. Todas as expectativas são frustradas, nada e tudo ocorre ao mesmo tempo; na ausência, as lacunas se preenchem e se anulam.

Um filme constrangedor.

Lady Vingança (2005)


Depois de assistir a "Old Boy", virei fã do diretor Chan Wook Park; quando um cara é fera, é preciso dar o braço a torcer.
Park parece ter recebido influência de Hollywood, por isto seu fascínio por cenas de ação e um senso nato para realização de magníficos planos-seqüências. No entanto, ele é genial o bastante para se inspirar nas qualidades, e não nos vícios. E o grande vício do cinema americano atualmente são os roteiros fracos.

As tramas de Park estão bem longe de serem fracas ou superficiais, tudo nos filmes dele é até as últimas conseqüências, é um mergulho no absurdo e no visceral; após haverem tomado uma resolução, os personagens de Chan Wook Park vão até o fim.

"Lady Vingança" é o terceiro filme da "trilogia da Vingança", que começa com "Mr. Vingança" e continua em "Old Boy". Os enredos são independentes, porém o espírito que perpassa os dois últimos, que foram os que assisti até o momento, é o mesmo: personagens injustiçados que resolvem tomar a justiça em suas mãos e se vingar de quem os fez mal.

No caso de Lady Vingança, Geum-Ja passa 13 anos na cadeia acusada de ter assassinado uma criança durante um seqüestro. Neste período, ela prepara o modo como se vingará do sujeito que a obrigou a assumir a culpa pelo crime.
O filme é repleto de flashbacks, alternando entre o momento atual, quando Geum-Ja foi libertada da cadeia, e recortes do período na prisão, quando ela angariou a amizade das detentas que a ajudarão na vingança.

O panorama apresentado por Park é brutal, onde a violência é banal e corriqueira; temos diante de nós o animal homem em sua plenitude, buscando paga à base do "olho por olho, dente por dente"
O ritmo de "Lady Vingança" não é tão dinâmico e envolvente como o de "Old Boy", mas mesmo assim torcemos (e nos desesperamos) para que Geum-Ja alcance seu objetivo. E quando menos esperamos, ao sermos levados a acreditar que o filme está acabando, tudo se modifica e uma nova etapa da vingança, surpreendente e ainda mais brutal, se manifesta.

"Lady Vingança" é um filme brilhante, complexo e coroa a genialidade de Chan Wook Park.

quinta-feira, novembro 22, 2007

O Gângster (2007)



"O Gângster" faz com a máfia negra do Harlem o que "Os Intocáveis" fez com Al Capone e "O Poderoso Chefão" com a cosa nostra: mostra as várias facetas do crime organizado, tanto do ponto-de-vista dos criminosos quanto dos que os combatem.

Denzel Washington é um ator afortunado e raras vezes se mete em arapucas - tarefa difícil no complicado mundo de Hollywood (Nicole Kidman e Jack Nicholson que o digam) -, por isto, qualquer filme em que ele aparece nos créditos merece o mínimo de atenção.

Em "O Gângster", Denzel interpreta Frank Lucas, o chefão da venda de heroína no Harlem, porém, mais do que isto, Frank é um homem de negócios. Ao ver a oportunidade de passar a perna na concorrência e tomar a liderança, ele rompe com a ordem estabelecida, que consistia em comprar a droga das mãos da máfia italiana, ou da polícia, que botava as drogas nas ruas após apreendê-las dos traficantes, e começa a comprar heroína direto do produtor, no Vietnam, trazendo-a clandestinamente em aviões do exército.

Frank Lucas é o tipo de "empresário" que, se não fosse por causa das condições sociais - negro, de bairro pobre, num país preconceituoso, numa época complicada -, poderia ter sido bem sucedido no que decidisse fazer.
Talvez o mais interessante na proposta de "O Gângster" seja justamente esta abordagem de tratar o tráfico de drogas como um negócio qualquer, gerido racionalmente como uma megacorporação.
E o grande problema de Lucas não é o ramo de atuação de sua "empresa", mas sim a sua raça, de onde ele vem. Uma sociedade racista não está acostumada a aceitar este tipo de indivíduos; enquanto eles estão por baixo, tudo bem, mas que não saiam de seu lugar!

É claro que o personagem de Russell Crowe, Richie, um policial incorruptível, não compartilha desta mentalidade. Ele combate o crime pelo próprio desejo e obrigação de fazer o que é certo. Porém, por detrás da queda de Frank Lucas, nos bastidores do poder e da concorrência, preconceito é a força-motriz.

Outro aspecto notável é que, apesar da humanização de Frank Lucas, afinal de contas ele é um homem como qualquer outro, só quer botar comida na mesa da sua família, nós torcemos para que ele seja pego. Ele é, ao mesmo tempo, o mocinho e o vilão. Queremos que ele seja punido, mas queremos que seja uma punição justa, não mero acerto de contas.

Sem dúvida, veremos "O Gângster" no tapete vermelho do Oscar 2008.

domingo, novembro 04, 2007

Listagem dos filmes resenhados


A

À Procura da Felicidade
Adaptação
Adeus, Lênin!
Água Negra
Antes do Pôr-do-Sol
Atrás da Verdade
Avalon
O Aviador

B

Babel
Balzac e a Costureirinha Chineza
Batman Begins
Beleza Americana
Bicicletas de Belleville
Bloom
Bob Esponja, O Filme
Borat
Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças


E

Efeito Borboleta
Elefante
Em Busca da Terra do Nunca
Em Nome de Deus
Encontros e Desencontros
O Encouraçado Potemkin
Entrando Numa Fria Maior Ainda
Escorregando para a Glória
O Espanta Tubarões
Eterno Amor
Eu, Robô
Exorcista, O Início
A Experiência - Das Experiment


Pearl Harbor
Pequena Miss Sunshine
Pi
O Plano Perfeito
Pleasantville - A Vida em Preto e Branco
O Poderoso Chefão
Ponto Final - Match Point
Procurando Nemo
A Professora de Piano

Q

O Gabinete do Dr. Caligari (1921)

Poucos filmes representam tão de perto o que foi o "Expressionismo Alemão", movimento artístico que predominou em terras germanas no pós-Primeira Guerra Mundial quanto "O Gabinete do Dr. Caligari". O Expressionismo Alemão se caracteriza pelos traços diagonais, pela caricatura, pelo pessimismo e desamparo.
O enredo é instigante: o personagem Francis narra uma série de assassinatos que ocorrem num povoado alemão após a instalação duma feira popular. Logo somos induzidos a suspeitar do misterioso Dr. Caligari, que apresenta Cesare, um sonâmbulo imerso no mundo do sono há anos, numa tenda na feira.

Tudo, desde o cenário até a atuação exagerada, quase grotesca, ressalta o tom pessimista do Expressionismo. Uma rápida comparação com o realismo russo já nos situa nas diferenças existentes no cinema daquela época, o primeiro se aproxima da arte, do conceito, o segundo é mais próximo de nós, com uma linguagem mais objetiva e clara.

Outro fator surpreendente em "O Gabinete de Dr. Caligari" é a reviravolta final, bastante inusitada para uma produção da década de 20, mas que pode ser considerada um clichê em nossos dias.

O filme de Robert Wiene é uma prova de que ainda podemos nos divertir com os bebês do cinema: filmes mudos, em preto e branco, com recursos limitados, mas com grande criatividade e ousadia.

sábado, novembro 03, 2007

Escorregando para a Glória (2007)


Will Ferrell não é dos piores quando se trata de comédia. Ele possui um senso humorístico peculiar, um timing interessante.
Na verdade, fazer comédia é muito, mas muito mais complicado mesmo do que drama, por duas razões simples: 1 - não é tão simples criar humor inteligente, e pastelão já não é engraçado como antes; 2 - os humoristas não recebem o mesmo reconhecimento que seus pares dramáticos.
Aliás, no Oscar 2007, Will Ferrell, Jack Black e John C. Reilly brincaram com isto, ao cantarem uma música criticando o ostracismo de atores cômicos para a premiação da Academia.

Mas o fato não é que o Oscar ignore os humoristas, ele ignora os filmes de comédia, os quais, geralmente, são muito ruins.
"Escorregando para a Glória" não é dos piores. O enredo é um pouco bisonho, dois patinadores campeões mundiais brigam durante o recebimento da medalha de ouro e são expulsos da categoria. Porém, há uma brecha no regulamento, permitindo que eles retornem para outra categoria, a de duplas. Apesar de serem rivais, eles se unem para realizar algo que nunca ninguém jamais conseguiu.
Há cenas engraçadas, mas o grande mérito é mesmo de Ferrell. O personagem dele é um bad boy, anarquista, grosseirão e viciado em sexo. Os diálogos do personagem, muitas vezes resultado de improvisos de Ferrell, são ótimos, porém, o filme é insosso. Não acrescenta muito ao espectador, nem mesmo boas risadas.

Acho que está na hora de parar um pouco e aprender as lições de Chaplin, Jerry Lewis e Mr. Bean, às vezes, o mais simples é o mais engraçado.

quarta-feira, outubro 31, 2007

O Encouraçado Potemkin (1925)

Sempre quando assisto a filmes clássicos a mesma pergunta me domina: onde nos perdemos no caminho?
Vejo aquelas produções toscas, com recursos técnicos limitadíssimos, com atuações amadorísticas, às vezes mudos, às vezes com imagens desgastadas por causa do tempo, e me surpreendo com a capacidade artística daqueles desbravadores do cinema.
Eiseinstein é um dos pais da arte cinematográfica, ao lado de mestres como Murnau, Fritz Lang, Chaplin, Wiene, Buñuel, ou Griffith.
Assistir a "O Encouraçado Potemkin" é um show de edição (incrivelmente tão ágil quanto dum filme de ação contemporâneo), de fotografia e de criatividade.
Além disto, apesar das críticas feitas ao realismo soviético, é muito interessante vislumbrar um pouco do clima de insatisfação que havia na Rússia pré-revolucionária, quando até mesmo uma sopa feita com carne estragada era capaz de atiçar os ânimos e instigar um motim.
Por fim, não é qualquer um que pode ter a trilha sonora inteira composta por Shostakovich!

Vozes Inocentes (2004)



Os norte-americanos, quando abordam a guerra, geralmente retratam o universo masculino adulto. Voluntários ou não, são os homens que se encolhem ou descobrem bravura no campo de batalha.
Esta é a visão do conquistador. A visão dos EUA é a de quem olha de cima para o resto do mundo.
Porém, se dermos uma bisbilhotada nas produções do gênero em outros países, particularmente em países subdesenvolvidos (ou, para ser politicamente correto, "em desenvolvimento"), constataremos que não raras vezes vemos o mundo através dos olhos das crianças.
Por quê?

Lembremos dos tempo em que éramos crianças. O mundo parecia muito mais assustador e deslumbrante do que é hoje, não era? Muitas coisas sem explicação, e muito a ser conhecido. O tempo não passava e mal podíamos esperar para nos tornar adultos.
A guerra sob a ótica de crianças é comovente por causa disto, pela ingenuidade que há, mesmo em meio a tamanhas atrocidades, no modo como elas lidam com a situação.

Em "Vozes Inocentes", acompanhamos a história de Chava e seus amigos durante a guerra civil em El Salvador. Como toda guerra total, em que os adultos se digladiam até a exaustão das forças e, quando não resta mais homens sobreviventes, faz-se necessário recorrer ao recrutamento infantil, a guerra em El Salvador também não poupou seus rebentos. Aos 12 anos, as crianças eram obrigadas a integrar as fileiras do exército. Quem não queria seguir esta opção, tinha um segunda, e igualmente belicosa, alternativa, unir-se aos guerrilheiros rebeldes. Este é um dos dilemas de Chava.

A produção é inacreditável, bela fotografia, diálogo singelos e cenas comoventes. Porém, "Vozes Inocentes" comete um erro grotesco e imperdoável: não levar até as últimas conseqüências o desenvolvimento lógico do enredo. Não há nada mais decepcionante do que um anti-clímax, do que um desfecho que não faz jus à trama.

Um belo filme, mas que fraqueja e perde parte de seu brilho.

Ônibus 174 (2002)


Isto é o Brasil, meu irmão!

O filme de estréia do diretor José Padilha é a prova de que ele veio pra criar polêmica, cutucar a ferida do brasileiro sem dó. Neste documentário, ele vasculha a vida de Sandro, um ex-menino de rua ex-presidiário que, por aquelas burradas do destino, foi assaltar um ônibus e acabou protagonizando uma situação digna de filmes hollywoodianos.
O documentário é brilhante, é como aquele fiozinho de lã que, quando puxamos, acaba desfazendo a blusa inteira. Através dum único personagem, Padilha rastreia uma série de conexões, num labirinto de indivíduos, na tentativa de compreender a calamidade que o Brasil se tornou.
Sandro é um desgraçado: ainda criança, viu a mãe ser degolada na frente dele, morou nas ruas, cheirou cola e cocaína, sobreviveu ao massacre da Candelária, foi internado na Febem e preso. Ou seja, ele possuía todos os elementos para se tornar uma bomba-relógio humana. Felizes seríamos nós se Sandro fosse uma exceção no Brasil.

É curioso como a sociedade observa os erros que cometeu com surpresa, como se aquilo lhe fosse alheio. No documentário, há um sociólogo que fala um monte de baboseiras, entre elas uma hipótese de que os meninos de rua e mendigos assaltam e matam na tentativa de deixar se serem invisíveis para a sociedade que os excluiu.
Eu entendo a reação dos que estão à margem (e justamente por isto são cognominados de marginais) mais como um sintoma da ausência de formação moral do que duma reação deliberada de deixar a sombra aos quais foram relegados. A banalidade da violência, expressão que já se tornou um clichê na boca dos pessimistas, é uma prova irrefutável de que Kant e Aristóteles, por exemplo, estavam equivocados quando supunham que no ser humano havia o germe da consciência moral e uma inclinação a realizar o bem.
Os conceitos de bem e mal derivam do convívio social, são normas para regular uma existência harmoniosa numa sociedade humana. Por isto, quando indivíduos sentem-se fora desta sociedade, imediatamente tais conceitos deixam de ter validade. O estado de semi-bestialidade aos quais os "marginais" se encontram impedem-nos de cultivar qualquer noção de bondade ou maldade. O que há é a sobrevivência imediata, o alimento do dia, o abrigo da noite. Não há perspectivas duma redenção pós morte ou remorso por um ato realizado, apenas a dor da punição física (realizada pelo abuso policial ou pela exclusão do cárcere).

Ao assistir ontem ao curta de Jorge Furtado, "Ilha das Flores", reparei como ambos os documentários estão vinculados. Um fala da violência que brota da pobreza, o outro fala da diferenciação, da exclusão realizada pela riqueza. Ambos são faces da mesma moeda, enquanto uns partem contra a sociedade, em busca de sobrevivência, outros se sujeitam ao mundo dos párias, dos intocáveis.

Ilha das Flores
Parte 1




Parte 2




É impossível julgarmos os atos dos outros sem nunca termos estado na pele deles. Será que, se você tivesse tido a vida de Sandro, você agiria diferente?

sábado, outubro 27, 2007

300 (2007)

Não assista a "300" se você estiver em busca de fidelidade histórica. O filme baseado na HQ de Frank Miller não é uma reconstrução do que ocorreu durante a guerra entre gregos e persas.
As batalhas entre os exércitos de Xerxes e os povoados helênicos no século V a.C são consideradas como a a primeira demonstração do pensamento e valores ocidental: liberdade individual, honra, superioridade da razão sobre o irracional.
Durante a guerra, o exército muito superior dos persas foi desbaratado por oponentes em menor número, de cidades rivais, mas com um objetivo comum, manter a liberdade. "300" tangencia estas questões, está mais interessado no trabalho gráfico, na reprodução magnífica da linguagem quadrinística.
Aí reside o mérito de "Sin City", que abriu as portas para uma nova forma de expressão no cinema, além disto, erigindo Frank Miller ao status de patriarca desta nova concepção, graças a sua linguagem forte e traços duros.
O filme é estupendo visualmente, desde os cenários até as cenas de luta. O trabalho artístico realizado para simular o desenho de Miller é perfeito. Porém, o enredo é fraco.
Deixemos de lado as incongruências históricas, a total eliminação do papel dos atenienses e de Salamina para a derrota dos persas (aliás, a vitória naval em Salamina foi muito mais importante do que a derrota espartana em Termópilas) e da má construção dos personagens (Xerxes é o único que parece ter algum tipo de sentimento como medo).
"300" é um gênero de cinema que me agrada, bem feito e envolvente, mas algo me incomodou muito, especialmente durante a cena em que a esposa de Leonidas (Gerard Butler), o rei de Esparta que lidera os 300 guerreiros contra o exército de Xerxes (Rodrigo Santoro), fala diante do conselho. Ela suplica que eles enviem reforços para auxiliar o marido, porém, tendo em vista o contexto no qual o filme é lançado, parece ser mais uma mensagem de apoio à guerra do Iraque e, mais do que isto, de retaliação ao Irã (países situados onde era a antiga Pérsia). Posso estar fazendo como aqueles insanos que vêem teorias conspiratórias em tudo, mas quando mensagens explícitas de "precisamos enviar mais tropas para derrotar a tirania" se mesclam com a fala dum presidente belicoso, é porque não deve ser mera coincidência.
Se alguém mais percebeu isto, por favor me avise, para que eu tire esta pulga de detrás da orelha...

quinta-feira, outubro 11, 2007

Tropa de Elite (2007)

"Tropa de Elite" é uma aula.

Não vou falar do roteiro, nem dos atores, nem de qualquer aspecto técnico do filme, pois não faz sentido abordá-los quando a mídia defende que a versão pirata (sim, foi esta que assisti!) não é a "versão final".

O filme extrapola tais limites; por estar em contato íntimo com a realidade do Rio de Janeiro, e, em última instância de todo o Brasil, é impossível não compreendê-lo como sendo quase uma obra documental.

Estamos diante de dois panoramas: o primeiro, da vida na favela, das relações de dominação do narcotráfico, da corrupção policial, da guerra urbana, do medo cotidiano do brasileiro, da classe média supostamente esclarecida no olho do furacão; o segundo, da crise dos direitos autorais e a invasão da pirataria.

"Tropa de Elite" toca num nervo exposto da sociedade brasileira, e o primeiro alvo é o espectador. Quem não conhece (ou não é) um usuário de maconha, crack ou cocaína que atire a primeira pedra!
O narcotráfico está no mesmo patamar da prostituição, do jogo do bicho, e da própria pirataria; só existe porque existem consumidores/jogadores/clientes. Um não existe sem o outro, e enquanto houver a hipocrisia (e o interesse) de criminalizar o narcotraficante e não o usuário, dificilmente se resolveria o problema.
Aliás, problemas é o que não falta no país do samba e futebol, pois, para solucionar um pepino, seria necessário solucionar outros, numa cadeia interminável de soluções impraticáveis numa terra onde tudo é permitido.
A inversão de valores é tão gritante que chegamos a torcer para que o policial do BOPE espanque o traficante, legitimando até aquilo que seria mais abominável ao homem ocidental: a tortura.
E assim o ciclo de problemas se reinicia, ao coagir a população, a polícia utiliza meios criminosos para resolver o crime, numa relação de ódio e medo que nunca se extingue.
Este é o nosso país, no qual a única consciência política é uma turminha se reunir e vestir uma camiseta onde está escrito: CANSEI!

Por outro lado, o filme acabou sendo alvo daquilo que critica. Não é novidade que boa parte dos artigos piratas são fachada para o crime organizado. Talvez "Tropa de Elite" seja o filme com maior audiência antes da estréia da História. Todo mundo queria saber da trama sobre a polícia odiada por todos, tanto pelo malandrinho da favela quanto pelo policial corrupto.
É inegável que, nos próximos anos, haverá uma revisão no conceito de direito autoral. Novas formas de remunerar o produtor terão de ser criadas se não quisermos assistir a uma crise na indústria cultural.
O tempo no qual apenas a classe alta e média tinha acesso a certas modalidades da cultura de massas, como o cinema, o DVD, o CD e o livro está chegando ao fim. Nas ruas, encontra-se todos os sons e filmes mais badalados; na internet, a febre dos MP3, do downloads de livros, de P2P de filmes, ou seja, ou a indústria cultural se renova, ou definha. Não é o tipo de processo que pode ser detido e quando fenômenos como o de "Tropa de Elite" ocorrem, temos a certeza de que a situação está crítica.

E é curioso que um simples filme sobre uma divisão da polícia militar possa causar tais reflexões. Na verdade, "Tropa de Elite" sugere bem mais, desde da microfísica do poder de Foucault até sobre pseudo-filantropia. Cada espectador encontrará uma parte de seu mundo no filme e, se não se sentir atingido por alguma das críticas feitas por ele, é porque é mais alienado do que pensa.

domingo, agosto 12, 2007

À Procura da Felicidade (2006)

Por várias razões, "À Procura da Felicidade" é um filme depressivo e angustiante.

Primeiro, por ser baseado numa história real. Ambientado durante a crise econômica norte-americana dos anos 80, o filme conta a história de Chris Gardner (Will Smith), simplesmente um derrotado. O cara se meteu numa furada, ao se tornar representante dum aparelho médico caro e sem potencial mercadológico. Em seu lar, a crise financeira faz com que seu casamento desmorone e Chris insiste em ficar com a guarda do filho, mesmo sem as mínimas condições para sustentá-lo. Ao decidir que precisa mudar de vida, Chris se inscreve para competir a uma vaga como corretor da Bolsa de Valores e, apesar da imagem que é obrigado a sustentar na empresa, Chris e o filho, à noite, dormem num abrigo para sem-tetos.

A segunda razão é o clima do roteiro. Chris enfrenta uma derrota após a outra. São quase duas horas de fracasso, de fundo de poço, de uma eterna busca pela felicidade, nem mesmo o final é suficiente para atenuar a angústia do filme, o clima de derrota e desamparo.

A terceira, é pela própria mentalidade americana. Apesar de tudo que se diga sobre os EUA, a "América" ainda é a terra das oportunidades, é o lugar onde alguém com pouca ou nenhuma qualificação, desde que esteja disposto a trabalhar pesado e acreditar em seus sonhos, pode vencer. Então, a luta dum pai de família que redunda em vitória é o mínimo que se espera num país onde o dinheiro rola, ao contrário do Brasil, onde quem trabalha mais é quem ganha menos. Um filme, com o mesmo enredo, situado no Brasil, seria ainda mais deprimente, pois nem mesmo final feliz se pode esperar. Ficar chorando as pitangas num país que fornece todas as condições para se vencer é no mínimo ridículo.

"À Procura da Felicidade" é um bom filme, mas é uma evidência de que não se pode massacrar muito o protagonista. Contar uma história é um exercício de "bate e assopra", é preciso criar obstáculo e vencê-los aos poucos; não bastam apenas desgraças, é preciso vitórias.

sábado, julho 28, 2007

Os Simpsons - O Filme (2007)


É muito difícil para um fã manter imparcialidade quando fala sobre o que gosta. Eu assisto aos Simpsons, esta família maluca que é nosso maior referencial sobre a classe média norte-americana, desde que me conheço por gente, ou melhor, desde quando a Globo começou a transmitir a série, nos domingos de manhã. Nesta época, o roteiro era excelente, mas os desenhos eram toscos, Bart Simpsons ainda era o personagem principal e, apesar da crítica social, havia sempre uma liçãozinha de moral.
Muita coisa mudou nestes 18 anos, e muito se manteve.

Homer, por ser um dos personagens mais memoráveis da história da comédia, assumiu o primeiro plano, deixa Jerry Lewis no chinelo quando se trata de fazer asneiras; o visual melhorou incrivelmente, certamente influenciado pelas animações computadorizadas, mas sem perder seu toque artesanal; mas os roteiros continuaram excepcionais, em cada episódio com uma história mais absurda que a anterior.

Então, vem a prova de fogo de todo desenho animado. São poucos os que sobrevivem às telonas. Um dos exemplos clássico é a dupla "Beavis & Butthead", que eram o maior sucesso na década de 90 e, após ter ido para o cinema, praticamente desapareceram sem deixar rastros. Fenômeno semelhante ocorreu com South Park e até com o Bob Esponja, talvez o longa de animação mais nojento dos últimos tempos.

Na verdade, o filmes dos Simpsons bem que poderia ser um episódio regular, com meia hora de duração. Ele utiliza exatamente a mesma progressão da TV, um começo sem muita relação com o desenvolvimento, uma reviravolta, e uma sucessão de situações cômicas, beirando o absurdo, com um desfecho apoteótico.

No filme, o vovô Simpson é possuído pelo Espírito Santo durante o culto dominical e profetiza tempos difíceis para Springfield. E quem seria o responsável por esta catástrofe?

Homer, é óbvio!

Quando a cidade é isolada com um redoma por causa da poluição incontrolável do lago Springfield (um silo com excremento de porcos, o novo mascote de Homer, lançado no lago foi o estopim para este isolamento), os Simpsons decidem se mudar para o Alaska, ou seja, depois disto, o filme reserva muitas surpresas.

Com ótimas situações cômicas, "Os Simpsons - o Filme" é muito divertido. Não é do tipo de animações que se tornará um clássico, como "Bambi", "Branca de Neve", ou até mesmo "Shrek", mas também não é um fracasso.

sábado, julho 14, 2007

Abrindo uma exceção

Qualquer espécie de corrente é um saco, sejam aquelas que você tem de repassar a 200 amigos para obter a felicidade, ou para se tornar rico, famoso, gostoso, crescer o pênis, cabelo, autoestima, sejam aquelas para sobreviver à maldição da Samara.

Não gosto de correntes, não as repasso e, no Orkut, ignoro imediatamente quem vem com este tipo de babaquice para cima de mim.

No entanto, para toda regra há exceção, e hoje, um dos leitores deste blog e amigo virtual, o Marco (autor do Unidade TV) me instigou a participar da "Corrente do Livro", na qual eu deveria falar dos meus cinco livros favoritos, e convidar outras cinco pessoas a continuar a corrente.

Tarefa duplamente inglória:

1 - decidir quais são meus cinco livros favoritos dentro de todos que já li até hoje;

2 - escolher 5 pessoas para repassar a corrente, não por que as opções são várias, mas porque não conheço quase ninguém que toparia a empreitada, ou porque devem ter conceito tão baixo sobre correntes quanto eu, ou por não possuírem o hábito de leitura.

5 dos meus Livros Favoritos

1 - Ulisses, de James Joyce

Este é o tipo de livros que as pessoas têm medo. Foi considerado como uma das obras mais importantes do século XX, é um dos clássicos da Literatura, possui adoradores e detratores.

Eu também tinha medo de "Ulisses". Havia pegado uma edição em inglês na biblioteca, tentei ler uma dúzia de páginas e desisti. Porém, alguns dias depois, assisti a um programa da TV Cultura, "Os Grandes Mestres da Literatura", falando sobre Joyce e a composição de sua obra-prima.
Assim, tendo alguma conhecimento sobre o autor e enredo da obra, tentei novamente, agora numa edição em português, na incrível tradução de Houaiss (que também possui adoradores e detratores).

Do medo, passei a quase idolatria.

Reli, reli, reli. Acho que já foram 7 vezes.

No ano passado, ganhei uma cópia em inglês, faz algum tempo que não releio Joyce, sinto-me um pouco distante da narrativa dele, já não sei mais se "Ulisses" é a obra que eu gostaria de ter escrito, mas, pela influência que teve sobre mim, como leitor e escritor, este livro merece o primeiro lugar.

2 - O Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa é um dos grandes escritores, não apenas em língua portuguesa, não somente do século XX, mas de todos os tempos.
Poucos, aliás, pouquíssimos possuem o domínio das imagens, das palavras, dos sentimentos, da urgência da tarefa do poeta como ele.

Sua inspiração, seu labor era tão gigantesco, que ele não cabia em si, não se bastava, por isto, se desdobrou em heterônimos, em pseudônimos, em semi-heterônimos. Pessoa eram pessoas.

É difícil escolher um dentre seus 18 mil textos. Caeiro é genial, Reis é brilhante, Campos é devastador, mas, na minha cabeceira há um espaço especial para o semi-heterônimo Bernardo Soares, o narrador de "O Livro do Desassossego". A obra é um antiromance, não tem enredo, não tem começo, nem fim. É uma série de fragmentos, trechos, pensamentos, considerações, e, por isto, é universal. Não está circunscrito a um época da História, é atemporal.

Foi uma das duas obras que escolhi para trazer comigo do Brasil para os EUA.

3 - Ficções, de Jorge Luis Borges

Este foi o segundo livro que trouxe comigo.
O primeiro encontro com Borges foi traumático, na verdade, todo encontro com um gênio é traumático. É como se nós houvéssemos chegado a um termo, a um muro do qual não podemos passar, não podemos mais criar.
Tinha ouvido falar de Borges no prefácio de "As Palavras e as Coisas" de Foucault. Esqueci-me; posteriormente, numa tentativa de descobrir a literatura latino-americana, o nome de Borges reapareceu, e se impôs, e me engoliu. Borges é um universo, quando se entra nele, nunca mais se o abandona.
Ficções é, sem dúvida, a melhor obra deste autor. Os contos, os mais inesquecíveis. Obra para ser relida por toda a vida.
Li-a primeiro na coleção de obras completas do autor, publicada pela Editora Globo, depois, em Buenos Aires, num sebo, encontrei um exemplar velho, surrado, amarelecido, é este que carrego comigo, num espanhol que nem sempre entendo, mas que já se tornou parte de mim.

4 - A Metamorfose, de Franz Kafka

Só agora reparei que, destes quatro primeiros livros, todos são de autores do século XX, talvez seja porque eles estão mais próximos de nós, diagnosticando nossa época (já que, segundo Nietzsche: "Alguns nascem póstumos"). O absurdo do mundo de Kafka é o absurdo do nosso mundo. A burocracia que nos oprime, a estranheza dum mundo que não nos pertence, a repugnância do bicho que nos tornamos.
A leitura de Kafka não é difícil. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa de obras clássicas, a leitura de Kafka é incrivelmente agradável. Ele nos faz rir, choca-nos, faz-nos chorar.
Se você puder ler no original alemão, melhor; senão, há a excelente tradução de Modesto Carone que não o decepcionará.

5 - Gargântua e Pantagruel, de François Rabelais

Cheguei a Gargântua através de Bakhtin, leitura para a pós em Literatura.
Bakhtin considera Rabelais como o grande representante dum autor popular, que consegue mesclar elementos de extrema erudição com a voz da praça pública, com a voz do povo. É claro que o texto de Bakhtin, "Cultura Popular na Idade Média e Renascimento", está imbuído da noção marxista de luta de classes, de que as Artes devem ser um espelho do povo, da classe trabalhadora.
Mas o trabalho de Bakhtin extrapola estes limites e vê em Rabelais o mais importante, a comicidade da inversão carnavalesca, do mundo às avessas.
"Gargântua e Pantagruel" arranca gostosas risadas. No começo mais, nos últimos dois livros, menos, porém, mesmo assim, é genial como Rabelais utiliza recursos da retórica escolástica entranhada duma escatologia das mais grotescas.
Meu exemplar foi uma facada, 120 reais, mas valeu a pena.

Continuando a Corrente

Então, prosseguindo com a maldição. Quem dos que escolhi para continuar a corrente será obrigado a ler Paulo Coelho e Mônica Buonfiglio pelo resto da vida se quebrá-la. UHUAHUAHUA!!!

É com vocês, Lefebvre (Breves Notas), Ibrahim (1001 Gatos de Schrödinger), Sonia (Cineblog), Bruh (Subversiva) e Uli (Baú de Coisinhas).
E não se esqueçam de passar este pepino adiante para mais 5 pessoas...

sábado, junho 30, 2007

Dreamgirls - Em Busca de um Sonho (2006)



Este filme ficou na minha estante de TV quase um mês, esperando para ser assistido. Hoje, arrependo-me por não tê-lo visto antes.

Odeio musicais; para mim, nada pior do que, quando a história está esquentando e você acha que vai acontecer algo interessante, a mocinha, ou o mocinho, ou o bandido abrem um bocão e começam a cantar. Brochante!

Mas gostei de "Moulin Rouge", e "Dançando no Escuro" até que não é nada mal. Talvez até consiga abrir algumas exceções (uma dúzia, quem sabe, incluindo "Noviça Rebelde"), mas, no geral, musical é um saco.

Porém, contudo, todavia... "Dreamgirls" é um dos filmes mais empolgantes que assisti nos últimos tempos. A trilha sonora é de primeira e, quem gosta de um bom R&B, soul, blues, gospel, se sente nas nuvens. Graças às vozes magníficas de Beyoncé Knowles e a atriz revelação Jennifer Hudson.

A trama se inspira na história real das Supremes, das quais só conhecemos de fato Diana Ross, que foi quem se deu melhor.
Como quase todo filme do gênero, que abarca um grande espaço de tempo, durante um dos períodos musicais mais produtivos do século XX - entre as décadas de 60 e 80 -, o enredo é de ascensão e queda. Ambição, superação pessoal, luta de egos, traição, abuso de drogas, decadência, todas estas palavras andam juntas quando se trata do universo da fama e da Arte.

Possivelmente, um dos grandes injustiçados na festa do Oscar de 2007, mas também não dá para negar que o páreo havia sido duro.

Indicado para quem gosta de musicais e para os que não gostam também, mas, principalmente, para todos que se divertem com um bom filme.

Pós-escrito de 3 de julho de 2007

Ao pesquisar um pouco sobre o musical da Broadway, que inspirou a versão cinematográfica, encontrei a apresentação do elenco original na premiação do Tony, que agracia os melhores musicais do ano. Se compararmos a performance de Jennifer Holliday, em 1982, com a de Jennifer Hudson, no filme, veremos a disparidade entre as duas, o que não tira o mérito de Hudson, mas apenas ressalta a qualidade de Holliday. Uma cena comovente e poderosa!


Bloom (2003)

Ninguém disse que adaptar o clássico de James Joyce, "Ulisses", para o cinema seria uma tarefa fácil.

A primeira das dificuldades é o próprio caráter narrativo da obra literária. "Ulisses" se passa na mente dos personagens, durante um dia inteiro em Dublin. Como é que se mostra, em imagens no cinema, aquilo que se passa na cabeça, através de palavras, de pessoas?

A opção que o filme "Bloom", dirigido por Sean Walsh, escolhe não é das melhores; em boa parte das cenas, os monólogos interiores do livro são transcritos para a tela. Vemos, então, o protagonista Bloom (Stephen Rea) narrando, enquanto que a câmera focaliza as expressões do ator. Ou seja, longas narrações, sem nenhuma ação. Um convite ao enfado.

A segunda das dificuldades é a visão estética de James Joyce. A obra do mestre irlandês é uma desconstrução de vários gêneros, de vários pontos de vista, da própria escrita. Como retratar num filme a mudança da língua inglesa, desde um arcaísmo até a modernidade, como ocorre num dos capítulos do livro?
Novamente, o cinema é obrigado a se encolher diante da adaptação. Ao invés do vanguardismo joyceano, a adaptação se mantém fiel ao enredo, recortando monólogos, tornando em imagens cenas antológicas - como a discussão no pub com o "ciclope", ou a alucinação de Bloom no prostíbulo, ou a cena final de Molly Bloom, na qual ela se recorda de seus amores -, colaborando com a mentalidade de que "Ulisses" é um livro difícil, hermético, intelectualizado.

O filme ainda não foi distribuído no Brasil, apesar de os direitos já terem sido adquiridos. Ao contrário da obra literária, a adaptação para o cinema não é memorável, nem um clássico. Entra na safra de adaptações sôfregas, que lutam com a complexidade do texto que lhes deu origem, que, apesar do esforço hercúleo para reconstruir o sentido, acabam por fracassar.

No entanto, para muitos, será o mais perto que chegarão da obra de Joyce.

terça-feira, junho 19, 2007

Norbit (2007)



Apesar da Globalização, de todos os elementos da cultura norte-americana à qual estamos expostos (voluntária e involuntariamente), de tudo nos parecer naturalizado, há algumas coisas sobre os filmes que só entendemos quando vemos com os próprios olhos.
Então, descobrimos que o mundo não é tão homogêneo como tudo parece indicar.

Filmes de comédia e de terror costumam apresentar as diferenças culturais mais gritantes: como no caso dum grupo de amigos que vai para um acampamento e são mortos por um psicopata pelo simples fato de terem transado; no Brasil, tem adolescente com 12 anos grávida, se todo psicopata fosse assassinar quem tem relações sexuais precocemente, seria praticamente um genocídio.
Isto apenas para apresentar um caso.

Mas "Norbit" entra naquele tipo de comédia pastelão, tirando sarro das diferenças culturais e comportamentais dos negros norte-americanos, na mesma linha de "Vovó...Zona" e "O Professor Aloprado".
Norbit (Eddie Murphy) é um rapaz franzino que, por ironia do destino, se casa com Rasputia (Eddie Murphy).
Rasputia está com sobrepeso, isto sendo gentil, é rude, truculenta, cheia de si e irmã de três rapazes da pesada. Sua natureza autoritária torna Norbit um submisso, até que ele a flagra na cama com outro homem.
Mas a chegada de Kate (Thandie Newton), uma namoradinha de infância de Norbit, é uma luz no fim do túnel para ele.
As sandices que Rasputia fará para evitar que seu casamento acabe é o mais engraçado neste filme.

Figuras como Rasputia inexistem no Brasil, no entanto, elas se proliferam nos EUA. Há Rasputia em toda esquina, no metrô, no supermercado. Isto torna a experiência de assistir a Norbit duplamente engraçada: primeiro, pelas próprias cenas mórbidas, segundo, por ser fácil identificar o alvo da piada.
Quando assistimos a "A Grande Família", por exemplo, não rimos porque aquela realidade é absurda, rimos porque aquele é nosso cotidiano; o mesmo vale para "Norbit" e o público norte-americano. Talvez este desentranhamento torne o filme menos interessante para o espectador brasileiro, mas a capacidade camaleônica de Eddie Murphy já vale a pena.

Em "Norbit", o cômico não é a caricaturização do real, mas a absurda relação entre a ficção e os personagens do cotidiano.

segunda-feira, maio 28, 2007

Shrek Terceiro (2007)


Shrek é obrigado a assumir o comando do Reino Tão, Tão Distante quando o rei Harold, pai de Fiona, adoece.
Mas os planos de retornar ao pântano vão por água abaixo quando o rei pede, antes de morrer, a Shrek que seja seu sucessor. Oprimido pelo trabalho burocrático e tedioso como governante, Shrek parte em busca do outro possível herdeiro ao trono, Arthur.
Neste meio tempo, O Príncipe Encantado decide se vingar de Shrek e tomar controle do reino, enquanto que, como se não bastasse, Fiona descobre estar grávida de alguns ogrozinhos.
Esta é a trama de "Shrek Terceiro".

Quando o primeiro filme da série foi lançado em 2001, ele rompeu com vários paradigmas das narrativas de contos-de-fada. Antes de tudo, no melhor estilo rabelaisiano e de acordo com o conceito de "carnaval" de Mikhail Bakhtin, há a inversão de papéis - o que é alto é rebaixado, o que é baixo é elevado. Numa fábula, o herói é aquele personagem repletos de virtudes e com vontade inquebrantável: um ideal a ser imitado. Porém, Shrek não é um herói; um monstro, que vive num pântano, temido por todos, feio e mal-educado. Ele não é movido por sentimentos nobres; numa busca egotista, ele só quer se livrar dos inconvenientes personagens de contos-de-fada que invadiram seu território.
O primeiro Shrek é humor de primeira linha, parodiando filmes conhecidos, com uma trilha sonora excepcional e produção gráfica estupenda.
O humor e as paródias se perdem gradativamente nas seqüências, tanto que "Shrek Terceiro" precisa se esforçar muito para arrancar algumas poucas risadas; as paródias, se existem, são tão escassas que mal podem ser identificadas. Mas a trilha sonora continua excelente e as animações estão melhores do que nunca.

Porém, "Shrek Terceiro" perdeu aquele caráter carnavalesco, de inversão de papéis. Shrek não é mais o anti-herói, ele assumiu o papel de herói, com toda uma ética moralista e objetivos nobres; o único traço destoante é sua aparência física, de resto, Shrek se tornou num papel heróico tradicional e, por isto, cansativo.

Há algumas cenas que chegam a empolgar, tal como quando as mulheres - a rainha, Fiona, Bela Adormecida, Branca de Neve, Cinderela e Rapunzel - partem para a luta. Contudo, no geral, há um quê de "já visto" em "Shrek Terceiro". Uma pena, para um personagem tão promissor.

E os ogrozinhos no final prenunciam que Shrek não parará por aí. É torcer para que o ogro verdão volte com mais vida e originalidade.


Também pode ser lido em
www.adorocinema.com

Acesse o Hotsite do filme

terça-feira, maio 22, 2007

Suicide Club (2002)


Este filme me foi muito bem recomendado... Porém, se arrependimento matasse, eu já estaria morto, sepultado e em decomposição, neste momento.

O enredo não é dos piores, aliás, até que poderia ser excelente, se não fosse a péssima execução.
Um clima de histeria coletiva domina o Japão, após mais de 50 garotas se jogarem na frente do trem. Outros suicídios ocorrem, então, surge o boato de que há um Clube do Suicídio (título do filme "Suicide Club").
O filme se sustenta até a primeira metade, apesar de sérias falhas estruturais, a ausência dum protagonista definido, uma trilha sonora bisonha e as piores atuações possíveis. Convenhamos também que atuação nunca foi muito o forte dos filmes japoneses e isto nunca desmereceu os trabalhos deles, pelo contrário, em alguns casos, quanto pior, melhor.
Mas este não é o caso de "Suicide Club", tudo nele é gritantemente ruim.
Porém, após a segunda parte, o filme descamba para uma seqüência de absurdos e para um mal gosto sem precendentes. Se há alguma resposta para o mistério do filme, ou ela é muito mal elaborada, ou fui incapaz de entendê-la. É daqueles filmes que acaba, você coça a cabeça e se pergunta:

- 'Tá, e daí?

Eu sou fã dos filmes japoneses (é claro que há um lapso entre Kurosawa e os filmes de terror), mas "Suicide Club" exigiu um baita saco! Só assisti até o final para saber se conseguia ficar pior. E conseguiu!

Acho que nestes anos que mantenho este blog, nunca fui obrigado a fazer uma resenha tão negativa sobre um filme, mas sempre há a primeira vez...

quinta-feira, maio 17, 2007

Rocky Balboa (2006)


Há alguns meses, fiz uma resenha sobre a série Rocky. Eu já sabia que um sexto filme do Rocky estava por vir, mas, mesmo assim, como o filme ainda não havia sido lançado, não sabia o que esperar.

Quando assisti o trailer pela primeira vez, senti um misto de expectativa e apreensão: expectativa, pois não posso esconder que sou fã deste personagem desengonçado; apreensão, pois sempre que surge uma seqüência, o fã teme que estraguem tudo que já foi feito. Basta se lembrar de "Matrix": o primeiro filme é excepcional, mas as duas seqüências são tão ruins que nos fazem detestar até o que era bom.

Tudo bem... Assisti a "Rocky Balboa", o sexto da série, com mente aberta e disposto a detoná-lo se fosse o caso. Mas felizmente não me decepcionei.

Rocky (Sylvester Stallone) já está caindo aos pedaços. É um homem que vive do passado, do tempo em que era idolatrado, que estava no auge da forma, em que a esposa ainda vivia (sim, a Adrian morreu!), em que o filho lhe dava valor. Ele abriu um restaurante italiano, mora sozinho numa pocilga e revive, todo ano, os lugares no qual costumava ir com Adrian. Simplesmente, uma figura deprimente.

No entanto, na TV, especialistas discutem a carreira do atual campeão dos peso-pesados, Mason Dixon, uma máquina de matar, mas sem carisma algum. Então, realizam uma simulação computadorizada duma luta entre um Rocky em plena forma e Mason Dixon. A conclusão é a de que Rocky ganharia.

Isto leva Rocky a querer a voltar a lutar. Porém, o que ele não espera é que os empresários de Dixon lêem a manchete sobre a volta de Rocky e sugerem uma luta entre os dois. Rocky sabe que não tem chance alguma, mas mesmo assim, dá a cara a tapa; afinal de contas, é o que ele mais sabe fazer.

O filme é emocionante. Há algo em Rocky de extremamente humano e, quando ele aconselha seu filho de que, na vida, o que importa é agüentar a surra que elas nos dá, ele não fala a apenas Rocky Jr., ele ensina a todos nós.

O que mais surpreende é a unidade que a série manteve em todos estes anos. Por mais que lembre muito o primeiro filme, com treinamento surrando pedaços de carne, correndo por Filadélfia, lutas na qual ninguém se protege dos socos, "Rocky Balboa" é um ótimo desfecho para o personagem.

Se é que é o desfecho...

Mais Estranho que a Ficção (2006)



Dizer que Hollywood passa por um período negro não é novidade alguma.

Há uma crise criativa incrível no cinema comercial norte-americano. Parece que o medo de rejeição dominou completamente os roteiristas e, para evitarem o fim amargo dos que ousam, tudo que se produz hoje em dia tem uma cara insossa de enlatados. Filmes saídos direto da linha de montagem. O festival de clichês que se acumulou nas últimas cinco dédacas faz com que quase qualquer filme, drama ou comédia, seja previsível. Espantamo-nos quando podemos dizer:

- Nossa, que filme diferente!

O advento de Charlie Kaufman, com seu "Quero Ser John Malkovich", foi um sopro de inovação em meio ao desgastado paradigma dos filmes americanos. Num misto de realismo mágico e absurdo kafkiano, Kaufman apresentou a luz no fim do túnel: é possível ser criativo e, mesmo assim, comercial.

No melhor estilo kaufmanesco, surge "Mais Estranho que a Ficção", dirigido por Marc Foster e roteiro de Zach Helm. Um filme inovador, mas sem jogar a criança com a água do banho. Aproveita o que há de melhor no paradigma tradicional da escrita de roteiros -- apresentação, ponto de virada, desenvolvimento, ponto de virada II, desfecho --, mas com uma temática diferente e metalingüística.

Harold Crick, interpretado por Will Ferrel, o queridinho cômico do momento, é um auditor da Receira Federal. Num dia convencional, ele começa a ouvir uma voz, narrando tudo que ele faz. Primeiro, ele pensa estar louco, mas logo percebe que esta sugestão não é satisfatória. Crendo-se ser um personagem numa história literária, ele procura a ajuda do professor de Literatura Jules Hilbert (Dustin Hoffman), para descobrir quem é e em qual história está.

O desenvolvimento é brilhante. Esperamos o tempo todo por aquele deslize que derrubará o enredo e transformará este filme em mais uma daquelas comédias simplórias. Mas não; "Mais Estranho que a Ficção" se sustenta, do começo ao fim, sem dar respostas fáceis, sem abrir mão da sua ludicidade, sem tentar nos enganar com clichês.

A prova de que arriscar não é um salto sem rede de segurança; de que é possível sim ser criativo, sem abrir mão do entrenenimento.

sábado, abril 28, 2007

Notas Sobre um Escândalo (2006)



Barbara Covett (Judi Dench) é professora veterana, numa escola para adolescentes. Em seu diário, ela anota todas as impressões que lhe ocorrem durante o dia, em comentários sarcásticos. É neste diário, que Barbara narra a chegada da professora novata Sheba Hart (Cate Blanchett).
Sheba inicia suas atividades repleta de idealismo, mas logo descobre que os alunos estão pouco interessados em suas aulas. Quando de uma briga entre dois deles, Barbara auxília Sheba a controlar a turma. Deste evento, nasce uma amizade entre as duas. Para Sheba, Barbara é a conselheira mais velha, uma mentora. Para Barbara, Sheba é a companheira que ela sempre esperou.
Porém, quando Barbara descobre que Sheba está tendo relações sexuais com um aluno de apenas 15 anos, ela vê a oportunidade para dominar Sheba e transformar a vida dela num inferno.
"Notas Sobre um Escândalo" aborda o complicado campo dos relacionamentos humanos. Por um lado, a perspectiva duma jovem, erótica, casada com um homem muito mais velho, oprimida pela vida conjugal cotidiana e que vê num menino a oportunidade de libertação e transgressão; por outro, a visão duma senhora, frustrada, com desejos reprimidos, provavelmente homossexual, desesperada pela idéia de morrer sozinha, cujo único confidente são seus diários.
O mais curioso deste filme é que, apesar da falha trágica de ambas as protagonistas, nós ainda torcemos e, ao mesmo tempo, odiamos as duas. É como se tanto em Barbara quanto em Sheba estivessem espelhados um pouco de nossa natureza humana, contraditória e vergonhosa.
A atuação de Judie Dench é memorável e a característica trilha sonora de Philip Glass sempre em sintonia.
Um ótimo filme, angustiante e surpreendente.

segunda-feira, março 05, 2007

Half Nelson (2006)


Não esperem reviravoltas e um grande enredo em "Half Nelson", pois simplesmente não há.
O filme é de uma lentidão memorável, com cenas intermináveis, repetitivas e, em casos, aparentemente sem propósito. Apesar disto, o cerne, a proposta da produção é excelente: o professor Dan Dunne (Ryan Gosling) leva uma vida dupla, durante o dia, é um dedicado professor de História e treinador do time de basquete da escola, porém, quando está fora do ambiente de trabalho (e, às vezes, escondido nele), ele se torna num usuário pesado de drogas, crente de que está no controle da situação, mas que se afunda cada vez mais no isolamento e desamparo. Um estranho vínculo se estabelece entre Dan e Drey, uma de suas alunas, quando esta o flagra fumando crack no banheiro da escola.
Desde este momento, Dan luta para manter em segredo seu vício, ao mesmo tempo em que tenta evitar que Drey, que mora numa área barra pesada, também se envolva com o mundo das drogas.
Em suas aulas, Dan defende a idéia de que há um dualismo no mundo, fundando em forças opostas, um motor dialético do universo. A trama de "Half Nelson" é uma extensão desta idéia, tanto na vida individual de Dan, dividido entre as forças opostas da sobriedade e do vício, quanto na relação dele com Drey, ele, branco, estudado, suburbano, ela, negra, pobre e cercada de más influências.
A atuação de Ryan Gosling é acima da média, porém, nada que mereça a indicação ao Oscar.
Uma obra que exige paciência...

quinta-feira, março 01, 2007

Vôo United 93 (2006)



É difícil saber se alguém que não está acostumado com a rotina dos aeroportos, com os atrasos, com as turbulências, com as panes em aviões, com aeroportos fechados, com o temor ao assistir uma notícia na TV sobre a queda de um avião, recebe este filme do mesmo modo com quem faz desta via crucis sua vida.
Eu, como marido de comissária de bordo, posso dizer, por experiência própria, que o filme "Vôo United 93" é angustiante, em todos os sentidos. O enredo não aborda nenhum dos três vôos que, pelo hábil plano e execução de terroristas, atingiram seus alvos - o World Trade Center e o Pentágono. O vôo 93 da United caiu antes, derrubado pelos próprios passageiros.
A edição é fenomenal, partindo dos primeiros instantes, quando a tripulação e os passageiros embarcam, até os momentos estarrecedores, quando o primeiro avião é sequestrado e pilotado em direção às Torres Gêmeas. Poucos filmes de ficção, nem com cobras, psicopatas, fendas temporais, turbulências, conseguem nos prender tanto quanto a tensão que a vida real, retratada nos mínimos detalhes e com uma precisão assustadora, possui. Só o fato de sabermos que aquilo aconteceu de fato já é suficiente para nos deixar de cabelos em pé, atemorizados com a crueldade humana, ao mesmo tempo em que empolgados com um último ato de valentia.
Se os passageiros do United 93 já se tornaram heróis por evitarem que o avião fosse derrubado sobre a Casa Branca ou o Capitólio, imaginem se eles houvessem conseguido subjugar os terroristas e pousado aquele avião!
O realismo do filme também nos faz questionarmos os limites entre realidade e ficção. O filme é tão minucioso que não sabemos se se trata de uma reconstituição dos eventos do dia 11 de setembro ou se é uma ficção, inspirada em fatos reais. "Vôo United 93" é um documentário ou ficção?
Claro que a pergunta é ridícula, pois o filme possui atores, um cenário construído, tudo nele é uma símile da realidade, não a própria realidade. Mas o que nos faz crer que seja real não passa a ser real por isto?
O filme era peixe pequeno diante de seus concorrentes no Oscar; o diretor Paul Greengrass não está à altura de Scorcese ou Clint Eastwood, mas sua obra é magistral. Ela atinge seu objetivo com uma pontaria certeira, assombra-nos, aterroriza-nos, prende-nos na cadeira, faz-nos torcer, mesmo sabendo do fim inevitável.
O medo, a preocupação que temos por aqueles que amamos é algo que transcende aviões e aeroportos e, talvez por isto, a mensagem de "Vôo United 93" seja para todos. Valorize hoje a pessoa que você ama! Esta frase, que bem poderia estar num livro do Paulo Coelho, é o mais importante que se pode extrair deste filme, pois as lições de sofrimento dos outros deveria ser um estímulo para que sejamos felizes hoje.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Os Infiltrados (2006)



Quando Scorsese dá todos os indícios de fim de carreira, ele retorna, magistralmente, com "Os Infiltrados".
A trama é uma confusão, uma rede de mentiras e segredos.
Billy Costigan (Leonardo DiCaprio) é um cadete da polícia designado para uma missão opressivamente perigosa, infiltrar-se na quadrilha do criminoso Frank Costello (Jack Nicholson). Por outro lado, este, visando desarticular as operações da polícia, coordena as decisões de Colin Sullivan (Matt Damon), o qual, rapidamente, galga altos cargos no departamento de polícia de Boston. Num jogo com regras desconhecidas, Billy e Colin se mobilizam para desvendar as identidades um do outro; para Billy, ser descoberto é a morte; para Colin, a desonra e opróbrio público.
O filme é angustiante e, imediatamente, o espectador torce para que Billy se dê bem. O personagem de Matt Damon é tão apaticamente repulsivo que nada mais resta senão esperar sua ruína.
Scorsese é hábil em manipular as emoções do espectador; a despeito dos papéis trocados, sabemos bem que são os mocinhos, os vilões e os trouxas.
A tradução do título, apesar de fiel ao enredo, falha em compreender o sentido do inglês: "The Departed" é um termo usado pela polícia para designar os que tombam no exercício da função, um prenúncio da terrível conseqüência de tamanhos subterfúgios e informações truncadas.
A parceria DiCaprio/Scorsese rende, finalmente, uma obra excepcional. Enfim, valeu a pena a confiança do diretor num ator mediano, mas que tem surpreendido. Por estranho que pareça, a indicação de DiCaprio ao Oscar não é por "Os Infiltrados", desta vez, e por este filme, bem que merecia!

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Factotum - Sem Destino (2005)


Nunca li Bukowski. É um daqueles autores do qual muito se ouve falar e, por alguma razão, nunca me interessou. Mera questão de gosto, já que poetas e escritores miseráveis, que passam a vida na sarjeta, não são bem aqueles que jazem nas minhas prateleiras.
No entanto, Bukowski fez muitos prosélitos. Há toda uma geração de escritores malditos, resmugando, vomitando, lançando suas misérias em páginas e mais páginas, crendo-se todos gênios incompreendidos.
"Factotum" é a história de um destes escritores malditos, Henry Chinaski (Matt Dilon). Pelo que dizem, Chinaski é o alter-ego do próprio Bukowski e uma breve incursão pela biografia do autor facilmente reforça tal idéia.
Henry Chinaski é um derrotado. Sem qualificação alguma, alcoólatra, ele simplesmente não consegue manter um emprego, um relacionamento amoroso estável, nem sequer um endereço fixo. Chinaski vaga por este mundo, com olhos apenas na sua carreira de escritor, e que tudo mais se exploda. É um gênio (será?) aprisionado numa vida e no corpo de um imbecil. Os únicos momentos em que ele se liberta é escrevendo ou se embriagando.
Porém, apesar da vida deplorável, Chinaski é o reflexo de muitos grandes escritores, divididos entre uma vida mundana medíocre - o escritório, o trabalho sem valor, o subemprego - e uma vida literária intensa e fervilhante. Neste sentido, Chinaski não é muito diferente de um Fernando Pessoa (igualmente alcoólatra) ou um Kafka. Todos os três são obrigados a vestir máscaras, para, enfim, na solidão do quarto, se despirem delas e revelarem seu eu interno. Todos os três passam a vida a tentar, sempre vendo suas empreitadas se frustrarem, todos estão no limite, sempre prestes a cair no abismo.
O ritmo de "Factotum" é lento, mas a interioridade de Chinaski é um turbilhão. Este descompasso é brilhante.
Nunca li Bukowski, mas talvez esteja na hora de fazê-lo.

Pós-escrito de 28 de março de 2010
Aproveitando o último comentário idiota nesta crítica, acrescento que, nos últimos meses, li alguns dos romances de Bukowski - "Post Office", "Factotum", Women", "Misto Quente", "Hollywood" e "Pulp".
A escrita de Charles Bukowski é bastante ágil e agradável, ao contrário do que percebo nos textos dos pseudoescritores que se inspiram na obra dele.
Como costuma ocorrer, o livro é muito melhor do que o filme, mais denso e mais inquietante.
No entanto, não mudo uma linha da crítica original: o mundo de Bukowski é realmente da sarjeta, do boteco, das putas baratas, da frustração e da derrota.
E acredito que a grande atração da obra dele seja justamente isto, fala diretamente para os leitores, que se identificam com esta vida dupla, com esta necessidade de libertação da opressora vida cotidiana, que gostariam de tocar a vida à base de cerveja e sexo. No entanto, tais leitores/fãs de Bukowski não tem colhões, nem a profundidade, nem o talento para viver como ele vivia.
"Factotum" é uma boa adaptação, só lamento ter assistido ao filmes antes de ter lido o livro, pois fiquei imaginando a cara do Matt Dillon no personagem de Chinaski. Não me agrada muito que a leitura seja influenciada deste modo.