quinta-feira, outubro 11, 2007

Tropa de Elite (2007)

"Tropa de Elite" é uma aula.

Não vou falar do roteiro, nem dos atores, nem de qualquer aspecto técnico do filme, pois não faz sentido abordá-los quando a mídia defende que a versão pirata (sim, foi esta que assisti!) não é a "versão final".

O filme extrapola tais limites; por estar em contato íntimo com a realidade do Rio de Janeiro, e, em última instância de todo o Brasil, é impossível não compreendê-lo como sendo quase uma obra documental.

Estamos diante de dois panoramas: o primeiro, da vida na favela, das relações de dominação do narcotráfico, da corrupção policial, da guerra urbana, do medo cotidiano do brasileiro, da classe média supostamente esclarecida no olho do furacão; o segundo, da crise dos direitos autorais e a invasão da pirataria.

"Tropa de Elite" toca num nervo exposto da sociedade brasileira, e o primeiro alvo é o espectador. Quem não conhece (ou não é) um usuário de maconha, crack ou cocaína que atire a primeira pedra!
O narcotráfico está no mesmo patamar da prostituição, do jogo do bicho, e da própria pirataria; só existe porque existem consumidores/jogadores/clientes. Um não existe sem o outro, e enquanto houver a hipocrisia (e o interesse) de criminalizar o narcotraficante e não o usuário, dificilmente se resolveria o problema.
Aliás, problemas é o que não falta no país do samba e futebol, pois, para solucionar um pepino, seria necessário solucionar outros, numa cadeia interminável de soluções impraticáveis numa terra onde tudo é permitido.
A inversão de valores é tão gritante que chegamos a torcer para que o policial do BOPE espanque o traficante, legitimando até aquilo que seria mais abominável ao homem ocidental: a tortura.
E assim o ciclo de problemas se reinicia, ao coagir a população, a polícia utiliza meios criminosos para resolver o crime, numa relação de ódio e medo que nunca se extingue.
Este é o nosso país, no qual a única consciência política é uma turminha se reunir e vestir uma camiseta onde está escrito: CANSEI!

Por outro lado, o filme acabou sendo alvo daquilo que critica. Não é novidade que boa parte dos artigos piratas são fachada para o crime organizado. Talvez "Tropa de Elite" seja o filme com maior audiência antes da estréia da História. Todo mundo queria saber da trama sobre a polícia odiada por todos, tanto pelo malandrinho da favela quanto pelo policial corrupto.
É inegável que, nos próximos anos, haverá uma revisão no conceito de direito autoral. Novas formas de remunerar o produtor terão de ser criadas se não quisermos assistir a uma crise na indústria cultural.
O tempo no qual apenas a classe alta e média tinha acesso a certas modalidades da cultura de massas, como o cinema, o DVD, o CD e o livro está chegando ao fim. Nas ruas, encontra-se todos os sons e filmes mais badalados; na internet, a febre dos MP3, do downloads de livros, de P2P de filmes, ou seja, ou a indústria cultural se renova, ou definha. Não é o tipo de processo que pode ser detido e quando fenômenos como o de "Tropa de Elite" ocorrem, temos a certeza de que a situação está crítica.

E é curioso que um simples filme sobre uma divisão da polícia militar possa causar tais reflexões. Na verdade, "Tropa de Elite" sugere bem mais, desde da microfísica do poder de Foucault até sobre pseudo-filantropia. Cada espectador encontrará uma parte de seu mundo no filme e, se não se sentir atingido por alguma das críticas feitas por ele, é porque é mais alienado do que pensa.

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