terça-feira, janeiro 23, 2007

O Diabo Veste Prada (2006)



É surpreendente como alguém consegue extrair tanto assunto de algo frívolo como a Moda.
Mas há quem goste, do mesmo modo que há quem goste de coisas igualmente frívolas como futebol, big brother ou filosofia.
Longe de querer defender um relativismo pós-modernista, na qual todo juízo de valor é eliminado, mas não há dúvida de que é muito difícil de se estabelecer o que é bom gosto, bom senso ou qualidade em nossos dias.
"Gosto é gosto, e não se discute", este é o lema de quem não possui argumentos para defender seu ponto de vista, pois assim é fácil encerrar o debate.
Há alguns meses atrás, participei de uma discussão no Orkut, na comunidade "Filosofia da Arte", sobre se moda é ou não Arte. Expressei meu ponto de vista por dez ou vintes respostas, até desistir; como 73% dos membros da comunidade são de estilistas ou estudantes de moda, a discussão se arrasta até hoje. Mas isto é completamente irrelevante, se Arte é moda, se é algo fundamental para o ser humano, se é frívola, se é chic. O cinema pode bem escolher um tema tolo e dele realizar um bom filme: vejam o exemplo de "Quero ser John Malkovich", sobre um titereiro frustrado; ou "Cidadão Kane", que trata da investigação sobre o sentido da última palavra - Rosebud - dum milionário moribundo.
Uma história medíocre com um desenvolvimento extraordinário pode resultar num clássico; uma história medíocre com um desenvolvimento medíocre... bem, o resultado é óbvio.
E este é o maior problema de "O Diabo Veste Prada", a despeito da trama ordinária, a jornalista Andrea Sachs (Anne Hathaway) trabalhando como assistente numa revista de moda, sob as ordens implacáveis de Miranda (Meryl Streep), o filme é, ainda por cima, uma coleção insossa de clichês.
Se os milhares de cursos espalhados pelos EUA, ensinando jovens ambiciosos a se tornarem roteiristas, os impelissem a jamais recaírem na facilidade dos clichês, então, nunca seríamos obrigados a nos deparar com filmes previsíveis como este novamente. A fórmula é básica: moça simples se depara com desafio que a transforma para pior, mas, no fundo, ela percebe que sempre permaneceu a moça caipira que quer ser feliz. Já assistimos a este tipo de história milhões de vezes; quantas vezes mais ainda teremos pela frente?
A Arte caracteriza-se justamente pela capacidade em se renovar, em romper os paradigmas e estabelecer novos princípios. O cinema, não apenas o norte-americano (já que é fácil culpá-los por todas as mazelas do mundo e nos eximir de nossa parte da culpa), há muito tempo se acostumou com suas fórmulas. Para a indústria do cinema é muito cômodo, pois sabem que podem embalar o Mesmo com outros nomes que nós, espectadores imbecis, sempre estaremos lá, rindo das mesmas piadas e torcendo para que a mocinha consiga resgatar sua inocência. O que vale no fim, para as grandes produtoras, são as cifras milionárias, não o valor estético, não o medo e o prazer de estar criando algo desconhecido.
O problema é que nós não temos como antever se um filme será um festival de clichês até tê-lo assistido, quando, enfim, teremos um parecer se valeu ou não a pena. Esta recompensa ou decepção nenhum crítico pode nos dar, nenhuma recomendação é inquestionável; somente nós mesmo poderemos avaliar e julgar se nos agradou. O que não foi o caso de "O Diabo Veste Prada".

domingo, janeiro 21, 2007

Pequena Miss Sunshine (2006)



Foi com desapontamento que assisti a "Pequena Miss Sunshine".
Não é a primeira vez que isto ocorre com filmes badalados no circuito alternativo de cinema, quando ouço muitos elogios e, na hora do "vamos ver", o resultado é muito aquém aos comentários. Dois casos semelhantes que me ocorrem agora são "Elefante" e "Bicicletas de Belleville", dos quais esperei muito e não recebi nada.
"Pequena Miss Sunshine" é uma mescla de road movie, "Férias Frustradas" e uma pitada de "Um Morto Muito Louco". Num ritmo que não chega a ser monótono, mas que também não empolga, com exceção do final (regra de ouro do cinema hollywoodiano, "se o desenvolvimento não é bom, ao menos o final tem que ser"), que é aquele momento em que nos envergonhamos pelo ridículo que os outros fazem. É um final desconcertante - não se preocupe, não vou contar, apesar de óbvio! -, embaraçoso, mas que não salva a pobre e "Pequena Miss Sunshine".
A trama é o encontro da bizarra família Hoover: o pai, Richard (Greg Kinnear), um fracassado guru de auto-ajuda; a mãe, Sheryl (Toni Collette), esposa infeliz e frustrada; o avô, viciado em heroína e sexo; o filho, Dwayne, um excêntrico que fez voto de silêncio até que consiga ser admitido na academia de pilotos; o cunhado, Frank, gay, suicida, derrotado e, o pior de tudo, expert em Proust; por fim, a filha, Olive, a feiazinha escolhida para participar do concurso de Miss Sunshine, para crianças.
Fracasso e derrota são duas palavras que se ouvirá e se verá muito neste filme.
A parte de road movie é quando eles, sem dinheiro para voar para a Califórnia, embarcam numa Kombie (outro símbolo do fracasso familiar, pois nem possuem a usual SUV, transporte familiar comum nos EUA), com problemas na transmissão, e saem empurrando-a de parada em parada até chegarem no local do concurso de Olive.
O avô morre no meio do caminho - eis a referência aos dois filmes de comédia citados - e eles se deparam com todo tipo de dificuldades e conflitos que pode haver numa família. Num final de semana, eles enfeixam toda uma vida.
O filme possui ligações inteligentes com a Filosofia (Dwaine é leitor de Nietzsche) e com a Literatura; é uma crítica a um mundo competitivo, cujo único mote é a vitória a qualquer custo; uma crítica aos lares desunidos, que mal cabem numa Kombi amarela. Mas também é um elogio à união que pode existir nos momentos difíceis e um exemplo de que a derrota nem sempre é o fim do mundo. Afinal de contas, a vida não se trata de vencer ou perder, mas de arriscar e vivê-la da melhor maneira possível.
"Pequena Miss Sunshine" não é de todo ruim, mas, certamente, não faz juz ao status que foi elevado. Engraçadinho, ligeiramente interessante, mas não uma obrigação intelectual e estética. Há filmes que atingem mais profundamente e com muito menos esforço.