quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Os Infiltrados (2006)



Quando Scorsese dá todos os indícios de fim de carreira, ele retorna, magistralmente, com "Os Infiltrados".
A trama é uma confusão, uma rede de mentiras e segredos.
Billy Costigan (Leonardo DiCaprio) é um cadete da polícia designado para uma missão opressivamente perigosa, infiltrar-se na quadrilha do criminoso Frank Costello (Jack Nicholson). Por outro lado, este, visando desarticular as operações da polícia, coordena as decisões de Colin Sullivan (Matt Damon), o qual, rapidamente, galga altos cargos no departamento de polícia de Boston. Num jogo com regras desconhecidas, Billy e Colin se mobilizam para desvendar as identidades um do outro; para Billy, ser descoberto é a morte; para Colin, a desonra e opróbrio público.
O filme é angustiante e, imediatamente, o espectador torce para que Billy se dê bem. O personagem de Matt Damon é tão apaticamente repulsivo que nada mais resta senão esperar sua ruína.
Scorsese é hábil em manipular as emoções do espectador; a despeito dos papéis trocados, sabemos bem que são os mocinhos, os vilões e os trouxas.
A tradução do título, apesar de fiel ao enredo, falha em compreender o sentido do inglês: "The Departed" é um termo usado pela polícia para designar os que tombam no exercício da função, um prenúncio da terrível conseqüência de tamanhos subterfúgios e informações truncadas.
A parceria DiCaprio/Scorsese rende, finalmente, uma obra excepcional. Enfim, valeu a pena a confiança do diretor num ator mediano, mas que tem surpreendido. Por estranho que pareça, a indicação de DiCaprio ao Oscar não é por "Os Infiltrados", desta vez, e por este filme, bem que merecia!

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Factotum - Sem Destino (2005)


Nunca li Bukowski. É um daqueles autores do qual muito se ouve falar e, por alguma razão, nunca me interessou. Mera questão de gosto, já que poetas e escritores miseráveis, que passam a vida na sarjeta, não são bem aqueles que jazem nas minhas prateleiras.
No entanto, Bukowski fez muitos prosélitos. Há toda uma geração de escritores malditos, resmugando, vomitando, lançando suas misérias em páginas e mais páginas, crendo-se todos gênios incompreendidos.
"Factotum" é a história de um destes escritores malditos, Henry Chinaski (Matt Dilon). Pelo que dizem, Chinaski é o alter-ego do próprio Bukowski e uma breve incursão pela biografia do autor facilmente reforça tal idéia.
Henry Chinaski é um derrotado. Sem qualificação alguma, alcoólatra, ele simplesmente não consegue manter um emprego, um relacionamento amoroso estável, nem sequer um endereço fixo. Chinaski vaga por este mundo, com olhos apenas na sua carreira de escritor, e que tudo mais se exploda. É um gênio (será?) aprisionado numa vida e no corpo de um imbecil. Os únicos momentos em que ele se liberta é escrevendo ou se embriagando.
Porém, apesar da vida deplorável, Chinaski é o reflexo de muitos grandes escritores, divididos entre uma vida mundana medíocre - o escritório, o trabalho sem valor, o subemprego - e uma vida literária intensa e fervilhante. Neste sentido, Chinaski não é muito diferente de um Fernando Pessoa (igualmente alcoólatra) ou um Kafka. Todos os três são obrigados a vestir máscaras, para, enfim, na solidão do quarto, se despirem delas e revelarem seu eu interno. Todos os três passam a vida a tentar, sempre vendo suas empreitadas se frustrarem, todos estão no limite, sempre prestes a cair no abismo.
O ritmo de "Factotum" é lento, mas a interioridade de Chinaski é um turbilhão. Este descompasso é brilhante.
Nunca li Bukowski, mas talvez esteja na hora de fazê-lo.

Pós-escrito de 28 de março de 2010
Aproveitando o último comentário idiota nesta crítica, acrescento que, nos últimos meses, li alguns dos romances de Bukowski - "Post Office", "Factotum", Women", "Misto Quente", "Hollywood" e "Pulp".
A escrita de Charles Bukowski é bastante ágil e agradável, ao contrário do que percebo nos textos dos pseudoescritores que se inspiram na obra dele.
Como costuma ocorrer, o livro é muito melhor do que o filme, mais denso e mais inquietante.
No entanto, não mudo uma linha da crítica original: o mundo de Bukowski é realmente da sarjeta, do boteco, das putas baratas, da frustração e da derrota.
E acredito que a grande atração da obra dele seja justamente isto, fala diretamente para os leitores, que se identificam com esta vida dupla, com esta necessidade de libertação da opressora vida cotidiana, que gostariam de tocar a vida à base de cerveja e sexo. No entanto, tais leitores/fãs de Bukowski não tem colhões, nem a profundidade, nem o talento para viver como ele vivia.
"Factotum" é uma boa adaptação, só lamento ter assistido ao filmes antes de ter lido o livro, pois fiquei imaginando a cara do Matt Dillon no personagem de Chinaski. Não me agrada muito que a leitura seja influenciada deste modo.

domingo, fevereiro 11, 2007

Uma Verdade Inconveniente (2006)



No filme "Matrix", o agente Smith apresenta uma teoria: nós, os seres humanos, somos um câncer sobre a Terra; destruímos os recursos naturais, matamo-nos uns aos outros e utilizamos nosso intelecto para, cada vez mais, aumentar nosso poder de destruição.
Por sua vez, o documentário "Uma Verdade Inconveniente", indicado ao Oscar, é a comprovação desta teoria. Nele, Al Gore, vice-presidente da administração Clinton, apresenta dados que apontam a influência humana no aquecimento global e, pior do que isto, a recusa de algumas nações em tomar providências para minimizar as conseqüências.
O filme é apocalíptico, além de temperaturas absurdas, enchentes, secas, furacões mais fortes e duradouros, mudança de comportamento em animais, há o derretimento das calotas polares que, com o passar dos anos, tende a elevar o nível dos mares e submergir cidades inteiras.
A mensagem de Gore é clara: se não fizermos nada neste momento, teremos de encarar terríveis resultados.
Porém, se formos levar em consideração a hipótese de "Matrix", talvez toda esta série de catástrofes seja benéfica em algum sentido. Como um organismo, o planeta Terra reage a seu modo para expurgar o câncer que o consome. Possivelmente, após esta doença haver sido extirpada, a Terra continuará seu ciclo e a vida prevalecerá. Sem nós, o mundo seria melhor.
Muito mais inteligente que ouvir os avisos de Gore e da comunidade científica é fecharmos os olhos e ouvidos e continuar nossa vida medíocre, deixando nossos governantes tomando as decisões erradas por nós, para que, um dia, a Terra possa, finalmente, se curar, varrendo-nos de sua superfície.
Gore possui uma visão otimista, tipicamente americana, de que se nos mobilizarmos, poderemos mudar a situação; mas isto é exigir demais da racionalidade humana. Nós, enquanto espécie, temos o péssimo hábito de aprender tarde demais...

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005)



Para quem cresceu assisindo à primeira versão de "A Fantástica Fábrica de Chocolate", de 1971, com Gene Wilder no elenco, que reprisava uma vez por mês na "Sessão da Tarde", a experiência de assistir ao remake é meio bizarra.
Dizem que a nova versão se aproxima mais do livro, mas isto é besteira. O filme não é o livro, e vice-versa. Quando se faz uma adaptação de uma obra literária, o roteirista, o diretor e os atores são obrigados a recriar, num outro suporte, a idéia original. Por isto, qualificar um filme como melhor ou pior por sua adequação ao livro é tolice. O filme é bom ou ruim quando, em sua estrutura cinematográfica, apresenta elementos que suporte seu desenvolvimento e coerência.
Neste sentido, a versão de 1971 é muito mais eficaz, é engraçada, os personagens são mais cativantes (ou odiosos, dependendo da intenção) e as músicas do Oompa-Loompas são memoráveis. É um filme que, a despeito de tempo que passa, grava em nossa memória certas cenas.
Porém, o filme de Burton e Deep é estranho.
A trama, em sua essência, é a mesma: Willy Wonka (Johnny Deep), dono de uma gigantesca fábrica de chocolate, resolve fazer uma promoção e distruibuir cinco convites para visitar sua fábrica e, no final do passeio, ele concederá um prêmio jamais imaginado. Entre as crianças contempladas, está o pobre Charlie Bucket, cujo único sonho é ver sua família ter comida na mesa. Disputando o grande prêmio com outras crianças ambiciosas, ricas, glutonas ou arrogantes, Charlie e seu avô são conduzidos pelas maravilhas da fábrica, entre elas, uma cascata de chocolate e um elevador que voa.
Ambas as versões são desprovidas de desafio, não cabe a Charlie agir para alcançar seus objetivos, as situações se sucedem e as crianças vão se eliminando da competição por causa de suas próprias falhas; porém, a versão de 2005 acrescentou traços excêntrico a Willy Wonka que não existiam anteriomente. O Willy de Gene Wilder era um esquisitão, mas o de Johnny Deep é um frustrado, misantropo e repleto de experiências traumáticas, além de dotado de um mórbido senso de humor. Excetuando pelo final completamente moralista, o remake de "A Fantástica Fábrica de Chocolate" está longe de ser um filme infantil. As músicas do Oompa-Loompas, os ajudantes em miniatura de Wonka, revestidas de uma roupagem atualizada, se tornaram insuportáveis.
Provavelmente, quem assiste ao remake desconhecendo o original terá uma visão diferente. Mas o filme de Burton é chato e puritano mesmo assim.